sábado, setembro 29, 2012

Um autor resgatado


Um autor resgatado



Indicação do último livro do poeta goiano José Godoy Garcia para o vestibular da UFG é a chance de novas gerações conhecerem um conjunto de versos praticamente esquecido

Rogério Borges




José Godoy Garcia 
Seu nome não é muito conhecido fora dos círculos literários e o número de seus leitores, infelizmente, ainda é restrito. Quem gosta de boa poesia, porém, deveria ler os versos de José Godoy Garcia, poeta que nasceu em Jataí em 1918 e depois se radicou em Brasília, onde morreu há mais de 10 anos. Os candidatos aos dois próximos concursos vestibulares da Universidade Federal de Goiás terão essa chance. Um dos livros indicados para a prova de Literatura Brasileira é Poesia – Antologia do 50º Aniversário de Poesia, livro lançado pelo escritor em 1999 e que viria a ser o último que publicaria. “A escolha deste livro também serve para trazermos de volta um autor muito importante”, diz o professor da Faculdade de Letras da UFG Jamesson Buarque, que integra a comissão encarregada de selecionar as obras literárias do vestibular da instituição. “Ele é muito representativo da poesia goiana e brasileira em um longo período de tempo”, argumenta.
O livro indicado é uma antologia e em entrevistas que concedeu na época do lançamento, José Godoy Garcia disse que a edição era um apanhado completo de seu trabalho. Seu primeiro título, Rio do Sono, foi publicado em 1948 e causou certo frisson, ganhando a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos. Era uma poesia inovadora e bem acabada, que chamou a atenção de leitores e de outros autores.
Foi neste mesmo ano que Godoy Garcia se formou em Direito em Goiânia, já pensando em dar prosseguimento a uma formação mais sólida que se consolidaria no Rio de Janeiro, onde teve contato com autores de uma geração herdeira do Modernismo, como Lúcio Cardoso e Rubem Braga. O primeiro vindo de Minas Gerais e o segundo do Espírito Santo, eles identificaram naquele autor goiano uma espécie de solidariedade artística e compartilharam talento e visões de mundo, cada um em seu nicho e estilo. É interessante perceber que o nome de José Godoy Garcia, ainda que pouco mencionado por aqui, não é esquecido em outras partes.
Em vários dicionários e antologias sobre poesia brasileira, Godoy Garcia figura com razoável destaque. Uma de suas marcas nos 12 livros que publicou – incluída aí a antologia que acaba de ser indicada para o vestibular da UFG – é a preocupação social de seu trabalho. Não é uma poesia panfletária e eminentemente política, aproximando-se mais do estilo da poesia social de um Carlos Drummond de Andrade, embora haja entre eles enormes diferenças em vários outros aspectos.
Prova dessa preocupação que Godoy Garcia sempre dedicou aos mais pobres é seu engajamento político, algo também visível no campo do direito. Sempre gostou de defender gente que não teria como pagar honorários de um advogado. Era também um ativo militante político, sempre pronto a denunciar mazelas sociais, por meio da literatura ou não. O autor conseguiu chegar ao delicado equilíbrio de falar desses dramas sociais sem perder a mão de sua poesia.
Alguns de seus poemas em que isso fica mais demonstrado falam de Brasília e sua construção. Em uma espécie de narração poética, ele descreve, sob ângulos pouco usuais, os perrengues pelos quais os chamados candangos, os trabalhadores que vieram de todo o Brasil para erguer a nova capital federal, passavam. Ao invés de levantar bandeiras contra a exploração, Godoy Garcia, habilmente, descrevia, com muita ludicidade, o cotidiano dessa gente que, por muito tempo, foi simplesmente ignorada no processo de desenvolvimento do País. É um olhar menos usual, que surpreendeu muitos e revelou um homem atento ao mundo à sua volta, indo dos grandes temas às mais singelas homenagens.
O escritor viveu sua juventude em Goiânia, passou temporadas no Rio, mas foi em Brasília que amadureceu sua escrita. Para lá se mudou em plena construção da cidade e de lá nunca mais saiu. É hoje considerado um dos seus melhores tradutores.
Além de poeta, José Godoy Garcia também foi um grande cronista e um ficcionista elogiado. Seu segundo livro é um romance, chamado O Caminho de Trombas e publicado em 1966, já pelo prestigiado selo Civilização Brasileira. Este é um livro emblemático, pois o autor, já no regime militar, elabora uma forte denúncia social, mesclando invenção com fatos reais relacionados a conflitos agrários no interior brasileiro. A luta de classes fica muito evidente em seu imaginário, equivalendo ao seu comportamento no cotidiano.
Godoy Garcia foi um ativista do Partido Comunista Brasileiro, defendendo judicialmente muitos de seus membros, e era um marxista convicto. Seu terceiro livro, Araguaia Mansidão, foi posto no mercado pela Editora Oriente, de Goiânia, em 1972. Nesta época, já era um nome conhecido também no jornalismo e sua verve polemista era respeitada em uma Brasília que vivia os anos de chumbo da ditadura.
Ele ainda publicaria dois títulos de poesia pela Civilização Brasileira – A Casa do Viramundo e Aqui É a Terra, ambos de 1980 – até se mudar para o selo Thesaurus, de Brasília, que editaria seus últimos livros. Por esta editora, ele publicou os volumes de poemas Entre Hinos e Bandeiras (1985), Os Morcegos (1987),Os Dinossauros dos Sete Mares (1988) e O Flautista e O Mundo Sol Verde e Vermelho (1994), o volume de contos Florismundo Periquito (1990) e o trabalho de crítica Aprendiz de Feiticeiro (1997). Também foi a Thesaurus que encampou o projeto de colocar em catálogo a antologia da obra poética do escritor. Por ser um livro de pouca circulação, a UFG entrou em contato com o selo e obteve a garantia de que mais exemplares seriam impressos para atender a demanda dos vestibulandos pela obra. José Godoy Garcia morreu em Brasília em 2001, vítima de um ataque cardíaco.
Fonte : O Popular