por Brasigóis Felício
Ninguém foi mais irmão de Walt Whitman, na adoração ao sol, e a todas as vidas do que o poeta José Godoy Garcia; amava e celebrava tudo o que via como só Walt, o saltimbanco de estrelas, foi capaz de amar e celebrar. Escrevi, em homenagem a José Godoy - coração-da-chuva, humilde e digno como as laranjas, o poema Passarinhando: “Aos que viveram para atravancar seu caminho/o poeta respondeu vivendo à toa, à toa/ sem pressa de morrer/de tédio ou de tristeza./E por saber que só existe a vida/a menor dentro da maior/e todas dentro do espírito divino,/ o poeta não conheceu a solidão./ Os que atravancaram os caminhos do poeta passarão/ o que viveu como um passarinho/ passarinhará/ alegre e liberto/pelos caminhos divinos/ com a leveza “de um menino/ que confia em outro menino”. Poeta Godoy: nos infinitos orbes do vaso universo fica à vontade com Walt, teu companheiro solar. “Nada é ou pode ser perdido/Impulso, impulso e mais impulso/sobre o impulso criador do mundo/ Saindo da sombra, semelhantes opostos avançam... sempre a substância do crescimento,/ sempre uma rede de identidade... sempre diferenciação/ sempre uma rede de reprodução de Vida”.
Tive o privilégio de ser um dos grandes amigos goianos de José Godoy. Eu e uns poucos mais: Cairo Campos, Haroldo de Brito, Iberê Monteiro, Domingos Félix de Sousa, Taylor Oriente, Gabriel Nascente, Yêda Schmaltz, Darcy França Denófrio, Luiz de Aquino, Antônio José de Moura. Lembro como se fosse hoje: Cairo Campos, em um bar, declamando, de memória, poemas inteiros de Zé da Chuva, seu grande amigo e poeta preferido. Dele guardo muitas cartas, irreverentes, alegres, com desenhos de palhaços, circo, um Carlitos que era ele mesmo - toscas figuras, a que o poeta dava nomes, temperamentos. Ora assinava Zé da chuva, ou Zé-chuvarada da dezembro. Certo, por sua acendrada fidelidade ao marxismo, muitas vezes revela-se dogmático...mas, fazer o que? Só Ele poderia como Walt, seu poeta adorado, dirigir-se a uma prostituta, com estas palavras: “Tranqüiliza-te à vontade comigo:/ eu sou Walt Whitman/ generoso e pletórico como a natureza/ Enquanto o sol não te excluir,/ eu não te excluirei./Enquanto as águas não se recusarem a fremir para ti e as folhas a fremir para ti,/as minhas palavras não se recusarão a fremir e a ressoar para ti./ (...) Para que não me esqueças, durante minha ausência,/eu te saúdo com este expressivo olhar/”.
José Godoy Garcia às vezes se contradizia, mas tinha direito a isto: por ser amplo, muitos em um, continha multidões em seus versos de homem apaixonado pela vida. Na apresentação de O flautista e o mundo sol verde e vermelho o poeta pede que o leitor não abra o livro ao acaso: Há uma pedra bruta, uma sede de ser igual a música, uma árvore, um corpo. Há aqui um velho e um menino a caminho da montanha. Há um tocador de flauta. Há aqui uma epopéia e uma rapsódia, se você também sabe sonhar a terra com os seres e caminhos. Os sonhos. Os sonhos”. Godoy teve no poeta norte-americano Walt Whitman sua grande fonte de inspiração. Pode-se dizer que imitou seu estilo largo e pletórico, telúrico e solidário a tudo o que vive. A atmosfera dos poemas do poeta da democracia impreganaram toda a produção poética de Godoy, havendo no entanto uma diferença básica: Whitman, foi homem dotado de consciência cósmica, ou seja, vivia na certeza da unidade e divindade de tudo o que vive. JGG não alcançou tal vastidão. Devotou seu amor ao homem enquanto ser social, via na utopia do comunismo a realização de sua dignidade e liberdade – idealização que veio a mostrar-se uma ilusão trágica. Nem a denúncia dos crimes de Stálin fez que renunciasse à ilusão que moveu sonhos e versos de sua vida.
Foi poeta, sonhou, lutou e amou na vida, quem teve a visão geral de uma gente humilde e digna da vida: “A humildade dos homens que tiram retratos/. (...) A humildade dos que estão morrendo,/ a humildade dos que dão os primeiros passos na vida,/ a humildade do sapateiro que encontra o freguês na rua,/ a humildade do funcionário que cumprimenta o chefe no baile./ A humildade dos que passam na rua e voltam para dar uma esmola./ A humildade dos que não sabem se expressar/e uma palavra às vezes dá desgosto./ (...) A humildade das mulheres de má vida/ que vão ao cinema e se portam honradamente,/passam pelas garotas de dezessete anos/e sentem-se imundas.../ Dentro, bem dentro de todos,/ a mesma angústia, essa percepção que não se define/ ao contato das mãos, mas resiste ao vento, às chuvas, aos equívocos”.
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