sábado, junho 13, 2009

A glória de Cora Coralina


por Brasigóis Felício

A glória de Cora Coralina, à medida em que o tempo passa, cada vez aumenta mais. Turistas visitam a cidade de Goiás, agora reconhecida como patrimônio cultural da humanidade, motivados pelo retrato que a poetisa faz de seus becos, de seu casario colonial. Seu rosto poético se confunde com a fisionomia da cidade. É um caso de amor coletivo gerado pela criação poética. Sua estrela, que já brilha intensamente, tende a brilhar mais fortemente ainda, depois que o patrimônio histórico da antiga capital foi afetado pela enchente da virada do ano. De outros países, de vários continentes, chegam ou pedem notícias sobre ela. Um amigo, o Antonio Hipólito, tem um irmão que não via há 30 anos.

Corrido da ditadura militar, pelo crime de alfabetizar pelo método Paulo Freire, deu com os costados em um país do continente africano. Intelectual e tradutor, viu por lá um poema de Cora, e se interessou em conhecer mais, de sua obra. . Em visita aos pais, em Corinto, (MG) pediu livros da poetisa. Acionado pelo Hipólito, peregrinei, em sebos e livrarias, a fim de atender o pedido. Aproveitei para mandar outras obras, da lavra de outros poetas e escritores goianos. Outro amigo dá-me notícias de ter visto livros de Cora em Miami. E acrescenta: lá só dá Cora, Bernardo Elis e José J. Veiga. Neste último, impressiona a todos a denúncia da brutalidade, na invasão de cães e bois, a uma cidade. E estes três, quanto mais passar o tempo, mais terão a força de sua arte reconhecida.

Como esquecer que a gloria de Cora Coralina foi detonada pelo cronista Carlos Drummond de Andrade? Em sua crônica, no Jornal do Brasil (o mesmo jornal que, bem há pouco, a ela dedicou todo o seu Caderno Letras) o anjo gauche itabirano escreveu sobre a vida simples e cintilante de Cora:”Vejo em Cora Coralina uma estrada cheia de sol, em que passam o Brasil antigo e o Brasil atual, sem as crianças e os miseráveis de hoje. Sua poesia é extremamente simples. Tem o ritmo do andar e abrange a realidade do país. Em seus mais belos poemas conta que dentro dela vive uma cabocla velha, que vive à beira do fogão, e uma doce lavadeira do Rio Vermelho, com cheiro de sabão e água; vivem também uma cozinheira, cheirando a pimenta e cebola, e uma mulher proletária, linguaruda, sem preconceitos, e uma irmãzinha, a que ela chama de mulher da vida.

Daí o interesse profundo em com a poesia e a poesia simples dessa mulher goiana extraordinária, única entre as poetisas de seu tempo, que ousa assumir tais identidades. Cora celebra todas as vidas com o mesmo sentimento de quem agradece a Deus por estar no mundo. E defende, exalta, proclama os humildes; tira poesia de tudo. Como no poema Ode às muletas, símbolo de resignação ao sofrimento; como a oração ao milho, em que imagino o que o que o milho está dizendo ao vento. E o canto festivo dos galos, na glória do dia amanhecendo: “Eu sou o milho no cocho do curral, onde o gado vai buscar sua comida. Eu sou a pobreza vegetal, agradecendo a Deus”. Cora não esquece o menor delinqüente, o menor abandonado. Dedica-lhes poemas sem demagogia, ou falsa piedade. Cora é um instrumento extremamente sensível às dores da sociedade, porém não prega nenhuma reforma social, por meio da violência.

Sua intenção, seu destino, é derramar sobre toda gente o óleo de um amor universal. Um dia chamei-a de diamante goiano, cintilando na solidão de sua casa pobre à beira da ponte, em Goiás. Mas agora a vejo inserida na eternidade, luzindo como uma estrela”. Que a estrela de Cora estava predestinada a luzir sempre, e cada vez mais, já o anunciou, profeticamente, mestre Drummond. Sim, ela tinha razão: “Não morre quem passou cantando pela vida a música de seus versos”.

2 comentários:

Meire Boni disse...

Adorei seu texto, amei seu blog, acabei de descobri-lo, e com a sua licença, já virei seguidora.
Parabéns pela iniciativa! A foto da Cora e com o poema, eu tive a liverdade de "pegar" para postar no meu blog.
Sou fascinada pela literatura goiana, Cora, Hugo, Veiga, Bernardo... Como goiana, vejo minhas raízes, as memórias de minha terra, de minha genteretratada em seus contos e poemas, sem mencionar a grandiosidade literária que eles, cada um a seu modo, possuem. Um abraço. Eu volto!

Anônimo disse...

Quem é goiana como eu ficará muito contente de entrar em seu blog. Eu também gosto muito da literatura goiana. Não sei se você é do tempo do GEN (Grupo de Escritores Novos). Anos 60. Eu creio que vc.não é desse tempo.Mas essa turma foi adiante com Miguel Jorge,
Heleno Godoy, Yeda Schmaltz...
Tenho alguns comentários sobre Cora e Maria Lúcia que talvez lhe interesse:
www.mlroder.zip.net