Brasigois Felício
Uma síntese da literatura goiana (ou da literatura brasileira feita em Goiás, como muitos preferem) para ser justa, tem de começar pelo reconhecimento, sem ranço de ufanismo, da expressividade e qualidade do que aqui se escreve e publica. Tal fato é reconhecido por críticos de nomeada, de grandes centros culturais – não obstante o nariz arrebitado de jactância e vanglória, de alguns intelectuais, encastelados nas torres de marfim até de universidades públicas – os quais insistem em amesquinhar sua importância, e não reconhecer tal qualidade. Tal provincianismo, porém, não conseguiu impedir que se firmassem como escritores de prestígio nacional, e mesmo internacional, escritores como Hugo de Carvalho Ramos, Bernardo Elis, José J. Veiga e Cora Coralina.
Depois de quase um século do descobrimento (ou achamento) das minas auríferas na região onde os bandeirantes paulistas construiriam Vila Boa, quase nada se escreveu por estas paragens do Goyaz profundo, a não ser os depoimentos de viajantes que andaram pela província, deixando relatos importantes, como os deixados por Cunha Mattos e Alencastre. De cunha Mattos até hoje se impõe, por sua verdade e atualidade, uma frase de sabor picante: “Em Goyaz as pessoas batem mais com a língua do que com as armas”. Gilberto Mendonça Teles, poeta, professor e crítico literário, assinala, em sua importante obra A poesia em Goiás, que a história de nossa literatura se divide em seis períodos. O primeiro coincide com o descobrimento de Goiás até 1830, quando publica-se o primeiro jornal da província, A matutina Meiapontense.
Em obra intitulada “Literatura goiana – síntese histórica”, que escreveu quando proferiu palestra sobre literatura goiana, no Canadá, o acadêmico Geraldo Coelho Vaz atesta que o primeiro poeta brasileiro a se referir a Goiás usava o pseudônimo de Antonio Cordovil. Seu verdadeiro nome era Antônio Lopes da Cruz, que escreveu o Ditirambo às ninfas goianas – em verdade, usou as musas e ninfas como pretexto para bajular o governador Tristão da Cunha Menezes, que o nomeara como professor. Uma moda que pegou entre nós, entre escribas maiores e menores.
O segundo período vai de 1830 a 1903, da publicação do primeiro jornal goiano à instalação da Academia de Direito de Goiás, e a fundação da Academia de Letras, na cidade de Goiás, sede da capital da Província. “Em quase um século, muitos acontecimentos marcaram a vida cultural do Estado. Ainda no século XIX, foram criados o Liceu de Goiás e a primeira biblioteca pública, o Gabinete Literário Goiano, o Teatro São Joaquim, o seminário Santa Cruz, onde se formaram notáveis personalidades da vida cultural de nosso Estado. Bernardo Guimarães, importante romancista, reside em Catalão, na condição de Juiz de Direito nomeado.
O primeiro livro impresso, já em 1863, foi Viagem ao rio Araguaia, de autoria de Couto Magalhães, então governador. O vulto literário mais importante desta época é o poeta romântico Antônio Félix de Bulhões Jardim (1845-1887), que defendia ideais abolicionistas. Outros nomes importantes do período foram os poetas Higino Rodrigues (1869-1906), autor do famoso soneto A pinta preta, Manoel Lopes de Carvalho Ramos (1865-1911), autor do célebre poema Goyania, e mais Edmundo Xavier de Barros, Alceu Victor Rodrigues, Genuíno Correa, Matias da Gama e Silva e Augusto Eliseu.
O terceiro período da evolução histórica de Goiás, assinala Coelho Vaz – inicia-se com a instalação do curso da Academia de Direito, a fundação da Academia de Letras e a revolução de 1030. A publicação do livro Ontem, de Leo Lynce, marca o surgimento do modernismo em Goiás, com atraso de seis anos, em relação à Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922. O mais expressivo e talentoso autor deste período foi, inegavelmente, Hugo de Carvalho Ramos, autor de Tropas e boiadas.
Em estilo regionalista que provocou impacto, logo após sua publicação, este autor goiano mereceu saudação entusiástica, por parte de Monteiro Lobato, e de outros escritores e críticos de sua época. Reconhecido como gênio literário, por parte da crítica, Hugo de Carvalho Ramos não conheceu a glória literária, pois que matou-se, ainda muito jovem, em meio a uma crise de depressão. Os nomes que marcaram este período foram, portanto, Hugo de Carvalho Ramos, com Tropas e boiadas e, na poesia, Leo Lynce, com Ontem, título contraditório, pois que colocava a longínqua paisagem do sertão profundo de Goiás no cenário da modernidade literária brasileira.
O quarto período é a fase da transição literária, encontrando as mais variadas influências das escolas romântica, parnasiana, simbolista e moderna. É o período das grandes mudanças, enfatiza Gilberto Mendonça Teles, em A poesia em Goiás. Neste período vêm à publicação obras de João Accioly Barro preto, Derval de Castro páginas do meu sertão e Pedro Gomes, com Pito aceso. A poesia teve reduzida importância nesta fase. O quinto período, para GMT, inicia-se em 1942, com o Batismo Cultural de Goiânia, e a publicação da revista Oeste, indo até a realização, pela União Brasileira de Escritores de Goiás, da I Semana de Arte em Goiás, realizada em 1956.
Fato de grande importância foi a criação da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, que teve Bernardo Elis como seu primeiro ganhador, com a obra Ermos e gerais. Em 1954, realizou-se em Goiânia o I Congresso Nacional de intelectuais, com a presença de personalidades conhecidas, de outros países, como o poeta Pablo Neruda. Lamentavelmente, Gilberto Mendonça Teles não atualizou seu livro A poesia em Goiás, quando da publicação de sua segunda edição, deixando assim de registrar um número expressivo de poetas, surgidos a partir de 1970. Muitos deles ganharam concursos de nível nacional e mesmo internacional, firmaram-se como grandes poetas, mas não estão referidos na segunda edição desta obra, o que diminui sua importância histórica.
A implantação do modernismo literário brasileiro, iniciada com Leo Lynce, teve continuidade com as obras de Bernardo Elis, José Décio Filho, José Godoy Garcia, Afonso e Domingos Félix de Sousa, além do próprio Gilberto Mendonça Teles, um pouco mais tarde, como poeta e crítico de literatura. Uma de suas obras fundamentais é A poesia em Goiás, além de Saciologia goiana (poesia) e obras de referência, no gênero ensaio, estudando os manifestos da modernidade literária, e a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Neste período destacaram-se também o romancista e contista Eli Brasiliense, com “Chão vermelho” e “Pium”. Bariano Ortêncio estreou em 1956, com O que foi pelo sertão. Ficcionista, cronista e folclorista, Bariani Ortêncio é uma das mais destacadas personalidades literárias de Goiás.
Marcam ainda este período autores como Ursulino Leão, romancista, contista e cronista, sendo o romance Maya um de seus trabalhos mais aplaudidos. Outros autores também destacaram-se, como Pedro Celestino, Geraldo Ramos Jubé, Monsenhor Primo Vieira, José Lopes Rodrigues, Demóstenes Cristino, Basileu Toledo França, Regina Lacerda, Rosarita Fleury, Nelly Alves de Almeida, Jesus Barros Boquady, Getúlio Vaz, Mário Rizério Leite, Leo Godoy Otero e Ada Curado.
O sexto período da evolução de nossa literatura está em curso, em meio a grandes transformações em nosso meio sócio-econômico-cultural. A criação de duas universidades, e a Federal e a Católica (PUC), a fundação de Brasília, em 1960, representaram uma mudança no ambiente cultural. Surgiu o GEN (Grupo de Escritores Novos), propondo uma instauração estética intitulada de Práxis, por seu criador, o poeta Mário Chamie. Pontificaram neste movimento literário goiano escritores que viriam a se tornar representativos de nossa literatura, como Miguel Jorge, Heleno Godoy, Yêda Schmaltz, Carlos Fernando Magalhães, Luiz Araújo, Luiz Fernando Valadares e Geraldo Coelho Vaz.
A Editora Oriente, liderada pelos irmãos Taylor e José Oriente, publica centenas de títulos de autores novos e já consagrados. Surgem, neste período, nomes como Gabriel Nascente, Alaor Barbosa, Maria Helena Chein, Emílio Vieira, Eduardo Jordão, Ciro Palmerston, Marieta Telles Machado, Martiniano J. Silva, Brasigóis Felício, Delermando Vieira, Dionísio Pereira Machado, Salomão Sousa, Helvécio Goulart, Luiz de Aquino, Edival Lourenço, Helverton Baiano, Almáquio Bastos, Ubirajara Galli, Tagore Biram, Pio Vargas, Itamar Pires, Edir Meireles,Fausto Valle, Jaci Siqueira, Alice Spíndola,Ana Cárita, Diva Goulart, Kleber Adorno, Lygia Rassi, Ebert Vêncio, Celso Cláudio, Augusta Faro, Leda Selma, Maria Abadia Silva, Pedro Tierra, Edmar Guimarães e Valdivino Braz.
O Gen deu significativa contribuição à renovação e modernidade dos estilos literários, como assinalou a ensaísta Moema de Castro e Silva Olival, em seu livro Gen – um sopro de renovação em Goiás – editora Kelps 2000): “Foi, sem dúvida, um divisor de águas na vida literária de Goiás, um vento promissor: conhecer, discutir, confrontar para renovar.” Uma renovação colocada em xeque, pelo ensaísta Gilberto Mendonça Teles, que via no movimento de renovação praxista em Goiás um entusiasmo juvenil, sem consistência e maturidade. O tempo veio provar que o alarde feito em torno da dita “instauração práxis” era fogo fátuo (fogo de palha) de vez que os nomes do Gen, que vieram a se confirmar como nomes expressivos, deram, sim, uma contribuição notável, por sua participação no debate literário, mas as obras que escreveram posteriormente têm (felizmente) pouco ou nada a ver com a hermética proposta estética defendida por Mário Chamie. A confirmação como escritores veio de seu talento literário, não dos postulados estéticos defendidos com ruído e furor.
A criação da Fundação Cultural Pedro Ludovico, em substituição à Secretaria Estadual de Cultura deu maior impulso à literatura, com o Instituto Goiano do Livro, dirigido pela poetisa Yêda Schmaltz, criando coleções importantes, e instituindo concursos e oficinas literárias. A editora Kelps inicia intensa atividade editorial, publicando centenas de títulos de autores goianos, divulgando-os nas Bienais do livro, realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na crítica literária destacam-se Gilberto Mendonça Teles, José Fernandes, Moema de Castro e Silva Olival, Maria Zaira Turchi, Vera Maria Tietzman e Darcy França Denófrio, dentre outros. Com três nomes consagrados, Bernardo Elis, José J. Veiga e Cora Coralina (sendo os dois últimos em nível internacional) Goiás tem notáveis personalidades na literatura, a exemplo de Paulo Nunes Batista, Valdemes Menezes, Braz José Coelho, Antônio José de Moura, William Agel de Mello, Gil Perini, Hilda Gomes Dutra Magalhães, Helena Sebba, Ercília Eckel, Adelice da Silveira Barros, Luiz Estevão, Francisco de Brito, Isócrates de Oliveira, Célia Coutinho Seixo de Brito, Anatole Ramos, César Baiochi, Hélio Rocha, Maria Terezinha Martins, Carmo Bernardes e Francisco Perna Filho.
* Brasigóis Felício é membro da Academia Goiana de Letras (cadeira 25) e vice-presidente da Ube-go (União Brasileira de Escritores, Seção de Goiás)
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