Determinados
livros existem e, às vezes, como na fábula árabe “Os dois que sonharam”, temos
de circular anos a fio até nos encontrarmos com eles. Circulei mais de 13 anos
antes de me encontrar com o livro Das
Palavras, de Itamar Pires Ribeiro, editado em 2000 após receber o prêmio
Bolsa de Publicações Cora Coralina 1999. Durante a leitura, depois de
encontrá-lo, eu saí emocionado de muitas de suas passagens, dos ritornelos de
seus versos, que se repetem e repetem palavras:
Não suponhas que as rochas te
ouçam
esculpe a estátua, e continuará a ser rocha
acrescida de sonho e trabalho humano, rocha.
esculpe a estátua, e continuará a ser rocha
acrescida de sonho e trabalho humano, rocha.
Se Edival
Lourenço faz premonições sobre a velocidade que o homem moderno vai assumindo
na modernidade, a poesia de Itamar Pires Ribeiro, neste livro, se dá com
serenidade, quase um cântico, quase um salmo em cada poema. É um diálogo
amoroso do autor com o leitor e consigo mesmo. Basta ler a confissão da própria
metapoética que Itamar faz da própria trajetória poética, que está no poema “As
palavras — XVI”:
“Se duendes, fadas,
deuses e demônios,
velhos mitos arcanos
infestam teu poema
arranca-os, arranca-os à faca,
joga fora as velhas tolices e vê:
tuas palavras vêm de onde vem tua semente,(...)
tua classe e teu tempo (...)”.
deuses e demônios,
velhos mitos arcanos
infestam teu poema
arranca-os, arranca-os à faca,
joga fora as velhas tolices e vê:
tuas palavras vêm de onde vem tua semente,(...)
tua classe e teu tempo (...)”.
O poeta
alastra em si o abandono de uma linha gótica que imperava na poesia goiana para
irrigar-se com palavras humanas, que tornam este mundo real, rocha e lírio.
Neste livro, saiu enriquecida a poesia de Itamar Pires Ribeiro ao renunciar à poesia gótica, que conhecemos no Livro de Heitor, de 1990. Depreendemos que Das Palavras foi construído com espontaneidade num momento de iluminação. Das iluminações que construíram as Elegias de Duíno e alguns cantos de Friedrich Hölderlin. As iluminações permitem fraquezas, vazios, até mesmo incongruências construtivas. De repente uma vírgula faltou num verso que irá se repetir mais adiante, com a vírgula.
Neste livro, saiu enriquecida a poesia de Itamar Pires Ribeiro ao renunciar à poesia gótica, que conhecemos no Livro de Heitor, de 1990. Depreendemos que Das Palavras foi construído com espontaneidade num momento de iluminação. Das iluminações que construíram as Elegias de Duíno e alguns cantos de Friedrich Hölderlin. As iluminações permitem fraquezas, vazios, até mesmo incongruências construtivas. De repente uma vírgula faltou num verso que irá se repetir mais adiante, com a vírgula.
E não é só um
livro carregado de questionamentos espontâneos, mas de construções de ágeis
arranjos. Não aparecem rimas explícitas, versos escandidos, mas presente um
constante andamento sem obstruções. É o que é a poesia. Cheio de referências,
pois todo bom poeta é bom leitor. Shakespeare, na reconstrução “Resta o
silêncio”. Konstantinos Kaváfis, na citação dos bárbaros. Carlos Drummond, na
reconstrução da pedra no meio do caminho com a repetição exaustiva do verso “as
coisas são mais obstinadas”, num poema de bela plasticidade e conteúdo.
As palavras,
na construção do poeta, progridem de uma inutilidade para intervir nas coisas,
com as rochas e lírios fluindo independente do homem e das palavras, para
desaguar na necessária utilidade do cântico, onde as palavras, já organizadas,
interferem no mundo. “Por teu cântico
tudo se move”. Intervenção num crescendo:
Todas as falas humanas,
todas elas entrelaçadas
um sutil instrumento que nos anuncia.
todas elas entrelaçadas
um sutil instrumento que nos anuncia.
Livro de
rara sabedoria – acredito que divisor de águas na poesia goiana
no universo pós-gótico, pós-Pio Vargas –, pois recarregado com a eterna
sutileza da lírica, Das Palavras
merece palco maior com reedição esmerada, com gala. A reedição veio em 2015, acompanhado dos
demais livros de Itamar Pires Ribeiro. Desde o primeiro livro – Livro de
Heitor, de 1990 –, que a poesia de Itamar Pires
Ribeiro se mostra num raro mosaico de polifonia, que às vezes no ilude com a localização dos elementos da oração. São muitas as vozes dentro de um mesmo poema e
sempre vai se insurgir um verso de rara metafísica, que deixa “a gente comovido
como o diabo”. O poema que abre a reunião
de seus livros, abre com essa pérola:
Sírius,
Centauro, Eros, Beatriz:
nomes, nomes
com que batizaria
moluscos,
poços de água escura,
coisas úteis
que tenho à mão.
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