Nasceu
em Jataí (GO), em 3.6.1918, e faleceu em Brasília, em 20.6.2001, onde residia
desde 1957. Filho de Pedro Garcia de Freitas e Aladina Godoy Garcia. Ele e
outros cinco irmãos ficaram órfãos ainda na infância e foram criados pela avó
Maria Rita Guimarães. No ano em que nasceu, Jataí contava com apenas 21
estabelecimentos comerciais, onde predominavam na indústria uma olaria, duas
ferrarias e duas carpintarias, sendo a zona rural a responsável pela absorção
da mão de obra. Em 1926, seu tio Marcondes de Godoy, que viria a ser deputado
estadual, é investido como intendente do município. Na sua gestão, a obra de
maior vulto foi a construção do Grupo Escolar Brasil em terreno doado por ele –
escola que hoje leva o seu nome e que exauriu quase a totalidade de um ano de
orçamento do município. Nessa escola, José Godoy Garcia começaria a trajetória
de seus estudos com o professor Nestório Ribeiro. Começa na infância a experiência
política, não só pela proximidade com o tio intendente, mas também pela
ebulição de movimentos que ocorriam em Jataí. Primeiramente, a repercussão do
conflito entre o bando do Carvalhinho e dos garimpeiros do capangueiro Manoel
Balbino de Carvalho. Depois, a passagem da Coluna Prestes pela cidade, que
obriga a família Godoy a se refugiar por seis meses em Araguari. Destaque ainda
para as suas experiências sociais no convívio com vaqueiros e prostitutas, já
que na propriedade de sua família tinha uma casa de arreios e, nas adjacências,
funcionava um prostíbulo. Em seguida, com uma irmã, é enviado para Uberlândia
(MG). Jovem impúbere, José Godoy Garcia ficou isolado numa pensão daquela
cidade, com oportunidade de observar, na sua eterna aprendizagem social, a
movimentação dos diversos tipos de viajantes que circulavam pela cidade. Sobre
Uberlândia, ele declarou que a cidade “era formidável; passei para o ginásio e
o diretor era o famoso Mário Magalhães, de Pernambuco. Ele me dava aulas de
História, como surgiu o homem, o primeiro instrumento, e alunos cochichavam que
ele era comunista. Em 1932, fizemos uma biblioteca; e o primeiro livro de Jorge
Amado foi vendido nela.” (2001) Com dezoito anos, José Godoy Garcia se
transferiu para a Cidade de Goiás – capital do Estado à época – onde ingressou
no Liceu de Goiás (1935/37), tendo sido seu professor Francisco Ferreira dos
Santos Azevedo, autor do clássico Dicionário
Analógico da Língua Portuguesa (ano) , e, por colega, o escritor Bernardo
Élis. Goiás vivia o auge do
Integralismo. Ele lembra, na mesma entrevista (2001), que os estudantes do Liceu invadiram a sede dos
integralistas de Goiás Velho. “Levamos os arquivos para a praça pública e
queimamos. Foi o primeiro movimento revolucionário (de) que participei” – ele
afirma. Para
continuar a formação, passou 1938/39 no Rio de Janeiro, fez o Clássico e
frequentou rodas literárias com Lúcio Cardoso, Rubem Braga e outros. Em sua
segunda ida ao Rio de Janeiro, assistiu à histórica conferência de Mário de
Andrade no Itamarati. Em 1942, instala-se em Goiânia, onde completa o Clássico
e o curso de Direito, com atuação destacada no movimento estudantil nos tempos
da Faculdade de Direito da Rua 20. Aí tem início a sua produção literária, com
a publicação de artigos e poemas em O
Popular e em revistas. Apesar de publicado só em 1948, teve Rio do sono premiado em 1944, no segundo
ano de existência da Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos. José Godoy
Garcia, com esse livro, interna-se numa forma peculiar de sentir a região,
revolucionando a poesia que passaria a ser feita em Goiás desde então. Com o
ingresso no Partido Comunista, o poeta só retomaria a literatura em 1958,
depois de instalar-se nos canteiros de obras da nova Capital (dezembro de 1957)
como assessor jurídico da Comissão Goiana para a Mudança da Capital Federal e
atuar em advocacia para legalização de terras em cidades goianas
circunvizinhas. Sua produção só viria a se intensificar após consolidar-se
financeiramente na nova Capital. Voltaria em 1966 com o romance O caminho de trombas, que retrata sua
experiência no partido comunista em plena vigência do regime militar. A
intenção era fazer uma biografia do movimento do líder camponês José Porfírio
de Sousa, já que ele fora um dos advogados do movimento na região de Trombas e
Formoso. Para Renato Dias de Souza (2010, 18), com este romance, pode-se
constatar o processo de expropriação vivido pelo camponês com a modernização
capitalista e as lutas sociais que originara no norte de Goiás. Retomaria a
atividade poética em 1972 com a publicação de Araguaia Mansidão, consolidando-se como um poeta de admiração
internacional, com poemas em antologias publicadas em Portugal, França e
Alemanha. Na Alemanha, foi traduzido por Curt Meyer-Clason, tradutor do Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa. Acabou duplamente perseguido. Por estar sempre envolvido com os
movimentos de crítica e ruptura social, foram longos os períodos em que teve de
viver na clandestinidade. Por manter-se alheio às práticas poéticas de sua
época em fidelidade à vida e à construção da própria obra, a sua poesia foi
deixada à margem pelo processo crítico defensor das escolas literárias, que,
depois do Modernismo até o advento dos marginais, talvez por fuga da crítica
social, estiveram compromissadas com o esvaziamento da palavra (vanguardas
concretistas e Geração de 45). Mas como nenhum artifício de desconhecimento
crítico consegue aprisionar a verdadeira poesia, a obra de José Godoy Garcia
continua cumprindo a sua trajetória de beleza, de juventude e de dignidade.
Fábio Lucas, em artigo consagrador da poesia de José Godoy Garcia, conclui que
“O lado catártico não atinge nele a ideologia bélica, como se quisesse combater
a violência com outra violência. O seu apelo social veste-se de um realismo
antifascista. Mas seu discurso não visa o ato da repressão, antes a conquista
da liberdade: liberdade do corpo, da alma, do viver em plenitude, com os outros
e para os outros, construtivamente” (1989, 18). Não há para José Godoy Garcia
melhor manifestação contra o consumismo impregnado no mundo moderno do que
comparecer ao aniversário de um amigo e presenteá-lo com vigorosas folhas de
bananeira. Na ficção, produziu um livro de contos, de crítica à miséria dos
anos 1970, que atingiu sobremaneira os nordestinos. Vai à exaustão ao narrar as
mortes seguidas de 17 filhos de uma única família. Quando faleceu, estava
reorganizando as novelas de Florismundo
Periquito, projeto que deixou incompleto. Em 1977, num ajuste de contas com
as correntes críticas que o defrontam, publica Aprendiz de feiticeiro, abordando as obras de Machado de Assis,
Hugo de Carvalho Ramos e Bernardo Élis, entre outros temas. Desde o primeiro
livro, até os poemas enfeixados no último livro, A última nova estrela, incluído na coletânea de suas poesias completas,
José Godoy Garcia apresenta rara coerência produtiva, sempre no percurso de
fidelidade ao sonho, à vida e à madura juventude nunca perdida. O poeta insiste
em tecer de palavras o mundo, para ele que quer ampliar a beleza do mundo. É
uma poesia que convida o homem a integrar-se nessa beleza: “Perdão a toda
natureza que envenenei.” (1999) Num outro poema: “A vida de um homem é a vida
do dia.” (1999) Mesmo nos poemas de construção e beleza mais intrincadas, como
naquele que começa com o verso “Minha mão se fosse a sua minha lembrança”
(1999), há uma vertigem exigindo que tudo se veja e se complete. O homem não se
completa sem a nuvem, que não se completa sem a água, que não se completa sem o
rio, que não se completa sem a canoa… E tudo se gostando. A poesia de José
Godoy Garcia faz parte do corolário de necessidades do mundo. Sem ela, as
belezas não seriam as manhãs e os caminhos. As laranjas não existiriam com
tanta exigência de beleza, de sex appeal.
Numa de suas últimas entrevistas, concedida ao poeta João Carlos Taveira, ele
reafirma sua dialética com o corolário de beleza, em que se fixava em
Beethoven, Chico Buarque e Noel Rosa: “Só um velho tem o poder para amar com a
devida profundidade a vida. Mas seja novo, sempre novo para destruir os males que
não permitem que o homem seja bem feliz. E mais um conselho de filosofia ancha
e intimista: seja honesto, seja digno de ser um artista, seja carinhoso com as
meninas novas e com as meninas velhas, seja revolucionário, mandando à merda
sempre as aparências.” (1997, 7) As atividades de José Godoy Garcia, portanto,
se restringiram à advocacia, à literatura e ao ativismo político. O percurso de
sua formação – e de tantos outros intelectuais goianos – é exemplo de que, na
época do processo de urbanização do Estado, a população das pequenas cidades
goianas e da região rural dependia do isolamento dos filhos em localidades
distantes das famílias; caso contrário, estariam fadadas ao analfabetismo.
Conscientes da importância da formação do indivíduo, o seu tio Marcondes de
Godoy e a avó matriarca Maria Rita Guimarães conseguiram não só abrir acesso à
escola às famílias de Jataí, como lograr êxito na formação superior dos órfãos
da família. Pela Portaria 1598, de 22.8.2008, do Ministério da Justiça, foi
concedida anistia postmortem a José
Godoy Garcia, com indenização à família. Em 2013, a sua obra foi indicada para
o vestibular da Universidade Federal de Goiás. Complementam a sua bibliografia
os seguintes livros: A casa do viramundo, poesia (Editora Civilização Brasileira, SP,
1980), Aqui é a Terra, poesia (Editora Civilização Brasileira, SP,
1980), Entre hinos e bandeiras, poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF,
1985), Os morcegos, poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF, 1987), Os
dinossauros dos sete mares, poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF, 1988),
O flautista e o mundo sol verde e vermelho, poesia (Thesaurus Editora,
Brasília, DF,1994), Poesia, antologia do 50º aniversário de poesia
(Thesaurus Editora, Brasília, DF, 1999).
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