segunda-feira, julho 16, 2018

Verbete: José Godoy Garcia




Nasceu em Jataí (GO), em 3.6.1918, e faleceu em Brasília, em 20.6.2001, onde residia desde 1957. Filho de Pedro Garcia de Freitas e Aladina Godoy Garcia. Ele e outros cinco irmãos ficaram órfãos ainda na infância e foram criados pela avó Maria Rita Guimarães. No ano em que nasceu, Jataí contava com apenas 21 estabelecimentos comerciais, onde predominavam na indústria uma olaria, duas ferrarias e duas carpintarias, sendo a zona rural a responsável pela absorção da mão de obra. Em 1926, seu tio Marcondes de Godoy, que viria a ser deputado estadual, é investido como intendente do município. Na sua gestão, a obra de maior vulto foi a construção do Grupo Escolar Brasil em terreno doado por ele – escola que hoje leva o seu nome e que exauriu quase a totalidade de um ano de orçamento do município. Nessa escola, José Godoy Garcia começaria a trajetória de seus estudos com o professor Nestório Ribeiro. Começa na infância a experiência política, não só pela proximidade com o tio intendente, mas também pela ebulição de movimentos que ocorriam em Jataí. Primeiramente, a repercussão do conflito entre o bando do Carvalhinho e dos garimpeiros do capangueiro Manoel Balbino de Carvalho. Depois, a passagem da Coluna Prestes pela cidade, que obriga a família Godoy a se refugiar por seis meses em Araguari. Destaque ainda para as suas experiências sociais no convívio com vaqueiros e prostitutas, já que na propriedade de sua família tinha uma casa de arreios e, nas adjacências, funcionava um prostíbulo. Em seguida, com uma irmã, é enviado para Uberlândia (MG). Jovem impúbere, José Godoy Garcia ficou isolado numa pensão daquela cidade, com oportunidade de observar, na sua eterna aprendizagem social, a movimentação dos diversos tipos de viajantes que circulavam pela cidade. Sobre Uberlândia, ele declarou que a cidade “era formidável; passei para o ginásio e o diretor era o famoso Mário Magalhães, de Pernambuco. Ele me dava aulas de História, como surgiu o homem, o primeiro instrumento, e alunos cochichavam que ele era comunista. Em 1932, fizemos uma biblioteca; e o primeiro livro de Jorge Amado foi vendido nela.” (2001) Com dezoito anos, José Godoy Garcia se transferiu para a Cidade de Goiás – capital do Estado à época – onde ingressou no Liceu de Goiás (1935/37), tendo sido seu professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, autor do clássico Dicionário Analógico da Língua Portuguesa (ano) , e, por colega, o escritor Bernardo Élis. Goiás vivia o auge do Integralismo. Ele lembra, na mesma entrevista (2001), que os estudantes do Liceu invadiram a sede dos integralistas de Goiás Velho. “Levamos os arquivos para a praça pública e queimamos. Foi o primeiro movimento revolucionário (de) que participei” – ele afirma.  Para continuar a formação, passou 1938/39 no Rio de Janeiro, fez o Clássico e frequentou rodas literárias com Lúcio Cardoso, Rubem Braga e outros. Em sua segunda ida ao Rio de Janeiro, assistiu à histórica conferência de Mário de Andrade no Itamarati. Em 1942, instala-se em Goiânia, onde completa o Clássico e o curso de Direito, com atuação destacada no movimento estudantil nos tempos da Faculdade de Direito da Rua 20. Aí tem início a sua produção literária, com a publicação de artigos e poemas em O Popular e em revistas. Apesar de publicado só em 1948, teve Rio do sono premiado em 1944, no segundo ano de existência da Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos. José Godoy Garcia, com esse livro, interna-se numa forma peculiar de sentir a região, revolucionando a poesia que passaria a ser feita em Goiás desde então. Com o ingresso no Partido Comunista, o poeta só retomaria a literatura em 1958, depois de instalar-se nos canteiros de obras da nova Capital (dezembro de 1957) como assessor jurídico da Comissão Goiana para a Mudança da Capital Federal e atuar em advocacia para legalização de terras em cidades goianas circunvizinhas. Sua produção só viria a se intensificar após consolidar-se financeiramente na nova Capital. Voltaria em 1966 com o romance O caminho de trombas, que retrata sua experiência no partido comunista em plena vigência do regime militar. A intenção era fazer uma biografia do movimento do líder camponês José Porfírio de Sousa, já que ele fora um dos advogados do movimento na região de Trombas e Formoso. Para Renato Dias de Souza (2010, 18), com este romance, pode-se constatar o processo de expropriação vivido pelo camponês com a modernização capitalista e as lutas sociais que originara no norte de Goiás. Retomaria a atividade poética em 1972 com a publicação de Araguaia Mansidão, consolidando-se como um poeta de admiração internacional, com poemas em antologias publicadas em Portugal, França e Alemanha. Na Alemanha, foi traduzido por Curt Meyer-Clason, tradutor do Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Acabou duplamente perseguido. Por estar sempre envolvido com os movimentos de crítica e ruptura social, foram longos os períodos em que teve de viver na clandestinidade. Por manter-se alheio às práticas poéticas de sua época em fidelidade à vida e à construção da própria obra, a sua poesia foi deixada à margem pelo processo crítico defensor das escolas literárias, que, depois do Modernismo até o advento dos marginais, talvez por fuga da crítica social, estiveram compromissadas com o esvaziamento da palavra (vanguardas concretistas e Geração de 45). Mas como nenhum artifício de desconhecimento crítico consegue aprisionar a verdadeira poesia, a obra de José Godoy Garcia continua cumprindo a sua trajetória de beleza, de juventude e de dignidade. Fábio Lucas, em artigo consagrador da poesia de José Godoy Garcia, conclui que “O lado catártico não atinge nele a ideologia bélica, como se quisesse combater a violência com outra violência. O seu apelo social veste-se de um realismo antifascista. Mas seu discurso não visa o ato da repressão, antes a conquista da liberdade: liberdade do corpo, da alma, do viver em plenitude, com os outros e para os outros, construtivamente” (1989, 18). Não há para José Godoy Garcia melhor manifestação contra o consumismo impregnado no mundo moderno do que comparecer ao aniversário de um amigo e presenteá-lo com vigorosas folhas de bananeira. Na ficção, produziu um livro de contos, de crítica à miséria dos anos 1970, que atingiu sobremaneira os nordestinos. Vai à exaustão ao narrar as mortes seguidas de 17 filhos de uma única família. Quando faleceu, estava reorganizando as novelas de Florismundo Periquito, projeto que deixou incompleto. Em 1977, num ajuste de contas com as correntes críticas que o defrontam, publica Aprendiz de feiticeiro, abordando as obras de Machado de Assis, Hugo de Carvalho Ramos e Bernardo Élis, entre outros temas. Desde o primeiro livro, até os poemas enfeixados no último livro, A última nova estrela, incluído na coletânea de suas poesias completas, José Godoy Garcia apresenta rara coerência produtiva, sempre no percurso de fidelidade ao sonho, à vida e à madura juventude nunca perdida. O poeta insiste em tecer de palavras o mundo, para ele que quer ampliar a beleza do mundo. É uma poesia que convida o homem a integrar-se nessa beleza: “Perdão a toda natureza que envenenei.” (1999) Num outro poema: “A vida de um homem é a vida do dia.” (1999) Mesmo nos poemas de construção e beleza mais intrincadas, como naquele que começa com o verso “Minha mão se fosse a sua minha lembrança” (1999), há uma vertigem exigindo que tudo se veja e se complete. O homem não se completa sem a nuvem, que não se completa sem a água, que não se completa sem o rio, que não se completa sem a canoa… E tudo se gostando. A poesia de José Godoy Garcia faz parte do corolário de necessidades do mundo. Sem ela, as belezas não seriam as manhãs e os caminhos. As laranjas não existiriam com tanta exigência de beleza, de sex appeal. Numa de suas últimas entrevistas, concedida ao poeta João Carlos Taveira, ele reafirma sua dialética com o corolário de beleza, em que se fixava em Beethoven, Chico Buarque e Noel Rosa: “Só um velho tem o poder para amar com a devida profundidade a vida. Mas seja novo, sempre novo para destruir os males que não permitem que o homem seja bem feliz. E mais um conselho de filosofia ancha e intimista: seja honesto, seja digno de ser um artista, seja carinhoso com as meninas novas e com as meninas velhas, seja revolucionário, mandando à merda sempre as aparências.” (1997, 7) As atividades de José Godoy Garcia, portanto, se restringiram à advocacia, à literatura e ao ativismo político. O percurso de sua formação – e de tantos outros intelectuais goianos – é exemplo de que, na época do processo de urbanização do Estado, a população das pequenas cidades goianas e da região rural dependia do isolamento dos filhos em localidades distantes das famílias; caso contrário, estariam fadadas ao analfabetismo. Conscientes da importância da formação do indivíduo, o seu tio Marcondes de Godoy e a avó matriarca Maria Rita Guimarães conseguiram não só abrir acesso à escola às famílias de Jataí, como lograr êxito na formação superior dos órfãos da família. Pela Portaria 1598, de 22.8.2008, do Ministério da Justiça, foi concedida anistia postmortem a José Godoy Garcia, com indenização à família. Em 2013, a sua obra foi indicada para o vestibular da Universidade Federal de Goiás. Complementam a sua bibliografia os seguintes livros: A casa do viramundo, poesia (Editora Civilização Brasileira, SP, 1980), Aqui é a Terra, poesia (Editora Civilização Brasileira, SP, 1980), Entre hinos e bandeiras, poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF, 1985), Os morcegos, poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF, 1987), Os dinossauros dos sete mares, poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF, 1988), O flautista e o mundo sol verde e vermelho, poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF,1994), Poesia, antologia do 50º aniversário de poesia (Thesaurus Editora, Brasília, DF, 1999).

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