domingo, maio 29, 2011

BARTOLOMEU ANTÔNIO CORDOVIL

Este é talvez o primeiro grande poeta goiano, mas escreveu muito pouco. Deixamos um poema dele (talvez o primeiro poema importante feito em Goiás, por volta de 1800, ano de falecimento do autor)

BARTOLOMEU ANTÔNIO CORDOVIL
(pseudônimo de Antônio Lopes da Cruz)
(1746—1810)

Nasceu no Rio de Janeiro em 1746. Conforme alguns autores, ele teria nascido em Ouro Preto, Minas Gerais e de lá foi para Goiás. Esta versão contraria o próprio testamento de Bartolomeu Cordovil, que declarou ter nascido no Rio de Janeiro. Advogado pela Universidade de Coimbra (Portugal). Chegou em Goiás em 1783, como primeiro professor de Gramática Latina, nomeado pelo Governador Tristão da Cunha Menezes, em 1788, a quem dedicou o poema Ditirambo. Lecionou 12 anos no arraial de Meiaponte (hoje Pirenópolis), onde faleceu em 1800. Escreveu, entre outros poemas, "Ditirambo”, “Epístola”, “Às Ninfas", "Epístola aos Árcades do Rio de Janeiro", “Ode”, e “Proteu e Sonho”. Publicou, em Coimbra, uma tradução da Arte Poética, de Horácio. Foi descoberto como um dos primeiros poetas do território goiano em uma palestra de Waldir Castro Quinta.


DITIRAMBO

Ninfas goianas,
Ninfas formosas,
De cor de rosas
A face ornai.
Vossos cabelos
Com muitas flores
De várias cores
Hoje enastrai.
Sim, Ninfas, aplaudi tão grande dia!
E tu, doce Lieu, Pai da Alegria,
Vem-me influir,
Que os anos de Tristão quero aplaudir.
Olá, traze do Feno
O suave licor grato e sereno;
Traze os doirados copos cristalinos,
Venham Falernos,
Venham Sabinos,
Deita, deita, enche o copo; gró, gró, gró:
Não entornes, espera, que este só
Não é que havemos
Hoje beber;
Mais vinho temos
Sem confeição,
Para brindar
O bom Tristão.
Hoje à sua saúde
Pretendo de beber mais de um almude,

Evoé
O’ Padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.

Néctar suave, o’ quanto me consolas!
De mim se ausentem
Rixas, temores,
Penas e dores.
Venha outro copo de Baco espumante
Que ferva no peito,
E a mente levante.
Nos Lusos Fastos não se leia agora
Dos seus Maiores a brilhante história:
Com alheias ações não condecora
A sua alta memória
O bom Tristão delícias dos humanos.
O curso dos seus anos
Cheio não são deste furor guerreiro,
Que nos campos de Marte desbarata,
Rende, saqueia, obriga, assola e mata;
Mas esperem, que escuto!
Vejo os troncos bolir! Ah sim, bem vejo
Os Sátiros brincões, Faunos auritos,
Que cheios de desejo,
Saltando aos ares vem ruidosos gritos,
Os Caprípedes Deuses que diriam?
Se não me engano, em sua companhia
Vem Bistânidas Trácias ululando,
Agitadas na rúbida ambrosia,
Em coréas sincinas volteando,
Estas doces cantigas modulando :
Goianos louvemos
Tristão imortal,
Bebamos, dancemos,
Ausente-se o mal.
Os doces licores
Do bom Nictoleu
Em taças se entornem
De claro cristal.

Evoé
O padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.

Pois já que Tristão
De paz nos encheu,
Gostosos bebamos
O sumo de Oreu.
Traze, traze depressa o Peramanca,
Empine-se a botelha toda inteira.
Mas que chama ligeira,
Ao modo de uma tropa,
Pelas túmidas veias me galopa?
És tu, Brômio gostoso? Eu bem te entendo.
Bebamos mais aquele, que das ilhas
Me mandaram de mimo
Do Profundo Oceano as verdes filhas.
No licor forte o coração me nada,
Baco, Baco, evoé!
O que terei nos pés? eu cambaleio?
Caindo estou de sono:
Depois que esvaziei quatro botelhas,
Rúbidas tenho e quentes as orelhas,
O nariz frio, os braços estendidos,
Parece-me que gira a casa toda.
Já não posso suster-me; aos ouvidos
Sinto um leve sussurro:
O corpo tremelica, o chão me falta,
E julgo que esta casa está mais alta.
Como o teu elixir
Tão depressa, ó Leneu, me faz dormir?!
Agora eu queria
Cantar do bom Tristão
O seu cândido gênio,
O terno coração,
A presaga prudência,
A profunda modéstia,
A serena clemência,
A justa temperança,
Agora é que me fazes tal mudança?

Evoé
O’ padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.

Venha um corpo, dous copos, três copos,
Retinem nos ares
Mil brindes contentes.
E os povos ardentes
De suma alegria,
Nas aras do gosto
Com férvido mosto
Entoem gostosos
Sem mais dilação
Os anos ditosos
Do terno Tristão.

Evoé
O’ padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.

Sim, do grande Tristão tantas virtudes
O povo todo louve,
O neiva lhe dará muitos almudes
Deste espírito rubro,
Que colhe no Minho,
Que os pesares desvia,
Que o sono concilia,
Que alegra a mocidade,
Que faz vermelha a envelhecida idade.

Evoé
O’ padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.

Ercilia Macedo-Eckel

Na página que mantem na internet, Ercilia Macedo-Eckel — num estudo sobre a escritora Ada Curado, apresenta um pequeno resumo da evolução histórica da cultura em Goiás. Por este estudo, podemos ver como a cultura goiana é nova, se comparada à cultura europeia e mesmo com a brasileira. O desenvolvimento goiano é muito novo. Tomo a liberdade de reproduzi-lo abaixo:

"
2 Períodos da vida cultural de Goiás (seu Estado de opção)
A esquematização a seguir obedece aos critérios: cronológico, político e determinados por acontecimentos sociais e culturais (25: p. 29-32, com pequena alteração no que se refere ao 6º Período).
2.1. 1º Período: de 1726 a 1830 – Do início da história de Goiás à publicação do Matutina meia-pontense (Pirenópolis), com o predomínio da mineração e sua substituição pela pecuária e agricultura, o surgimento das primeiras cidades e o aparecimento das primeiras aulas e com elas o de nosso primeiro poeta: Antônio Lopes da Cruz (sob o pseudônimo de Bartolomeu Antônio Cordovil) com o poema Ditirambo às ninfas goianas (1790).
2.2. 2º Período: de 1830 a 1903 – Da publicação do Matutina meia-pontense à instalação da Academia de Direito de Goiás (24-2-1903), a que se seguiu a fundação de uma Academia de Letras (1904), de curta duração. Nesse período ocorreu também a fundação do primeiro jornal, o quarto do País, e semente para o jornalismo de idéias abolicionistas e republicanas. São desse período a criação do Liceu de Goiás (1847) e do Gabinete Literário Goiano (1864). Estética predominante: transição clássico-romântica, com predomínio do Romantismo nos fins do século XIX e início do XX.
2.3. 3º Período: de 1903 a 1930 – Da instalação de nosso primeiro curso jurídico e da Academia de Letras à Revolução de 1930, de que resultou a nova capital do Estado (,o casamento da autora em estudo com o Coronel Gentil, sua vinda para Goiás como “lugar de opção” e aproveitamento do assunto para temas de sua ficção). Estética: novas ideias parnasianas e simbolistas começam a tomar conta dos escritores, fechando-se o período com o predomínio do Parnasianismo. Mas o livro Ontem (1928), de Leo Lynce, marca o início do Modernismo em Goiás, no fim desse período.
2.4. 4º Período: de 1930 a 1942 – Da Revolução de 1930 que modificou as estruturas político-administrativas do País e motivou em Goiás a fundação de Goiânia (5-7-1942), quando se iniciou a publicação da revista Oeste, órgão de orientação política da época. Estética: de transição. É o pré-modernismo em Goiás, incluindo-se a adoção do verso livre.
2.5. 5º Período: de 1942 a 1960 – Da publicação de Oeste e do batismo cultural de Goiânia à inauguração de Brasília que, pela proximidade, resultou em maior incremento econômico e intelectual para Goiás. Acontecimentos importantes: criação da Bolsa “Hugo de Carvalho Ramos” (1943), visando à publicação de obras literárias ou científicas de autores contemporâneos residentes no Estado, I Seminário de Arte de Goiás (julho de 1956) e a criação das Universidades Católica (1958) e Federal (1959). Eu fiz o vestibular para a primeira turma de Letras da Católica.
Estética: inspirada em Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. É considerado um período importante das letras goianas, na poesia e na prosa. Na poesia, principalmente pela chegada dos primeiros livros de Gilberto Mendonça Teles: Alvorada (1955) e Estrela-d’alva (1956). No primeiro, identificou-se com parnasianos e simbolistas. No segundo, além de traços simbolistas, há prenúncios do Modernismo (p. 30 e 31).
Derrubada a Ditadura e finda a Guerra Mundial, agitam-se os escritores brasileiros, em vários Estados. Em Goiás a consequência imediata foi a criação de uma secção da Associação Brasileira de Escritores (1945), a realização do I Congresso Nacional de Intelectuais (fev./ 1954). Um dos temas: “Problemas éticos e profissionais dos intelectuais”.
Ada Curado participou desse evento, juntamente com outros escritores do Estado, como Eli Brasiliense, Jose Godoy Garcia, José Xavier de Almeida e Bernardo Élis. Também estavam presentes expoentes das letras nacionais e internacionais, como Pablo Neruda. Logo a seguir, Ada publicou O sonho do pracinha e outros contos (1954) e Morena (1958).
São dessa fase os romances O tronco (1956), de Bernardo Élis, Élos da mesma corrente, de Rosarita Fleury e a circulação de um jornal literário, Jornal Oió, entre 1957 e 1958. O grupo Os quinze (fev./ 1956), dos novos, divulgava suas idéias no suplemento literário da Folha de Goiaz, através de Jesus Barros Boquady.
2.6. 6º Período: 1960 à atualidade (1991) – Dos reflexos econômicos, intelectuais e políticos pela proximidade de Brasília aos dias de hoje. No início da década (1962) surgiu o discutido GEN (Grupo de Escritores Novos) que culminou com a publicação de Poemas do GEN (1966) e a vinda Mário Chamie, o instaurador da Práxis, a Goiânia. Aqui ele proferiu palestras e manteve contato com intelectuais e assistiu a uma Exposição de poemas práxis realizada pelo GEN no seu 5º aniversário (1967). Desse grupo, considerado, na época, de oficio não muito sério, o tempo e a persistência permitiram os seguintes frutos em nossas letras: Miguel Jorge, Helena Chein, Heleno Godoy, Carlos Rodrigues Brandão, Luís Fernandes Valadares, Manuel B. de Brito (Prof. Nequito), Coelho Vaz, Yeda Schmaltz, dentre outros.
Em 1964 Gilberto Mendonça Teles publica o estudo e antologia A poesia em Goiás pela Universidade Federal, obra premiada em concurso de 1962. E publicação de grande valor para quem estuda a literatura feita em nosso Estado. Ainda a Universidade Federal de Goiás edita (1963) seus (dela) Cadernos de Estudos Brasileiros. Outros acontecimentos importantes: Inaugura-se a Televisão Anhanguera (1963), com espaço para escritores e artistas. O jornal O popular (final de 60/ início de 70) mantinha um caderno, o “Suplemento Cultural”, com grande espaço para as letras e as artes em geral. João Bênio dá início às atividades cinematográficas com o lançamento dos filmes O diabo mora no sangue (1969) e Simeão o Boêmio (1970). Na década de 80 Cora Coralina tem repercussão nacional com Poemas dos becos de Goiás e estóricas mais (1980) e Vintém de cobre: meias confições de Aninha (1983). É no 6º Período que Siron Franco e outros goianos são reconhecidos nacionalmente.
Nesse quadro da vida cultural, mais especificamente, de Goiânia hoje, não poderíamos esquecer o papel da Galeria Casagrande como aglutinadora de intelectuais e artistas da sociedade local, juntamente com o empenho da Função Jaime Câmara, dentre outras.
Nesse período, Ada Curado pinta esporadicamente: Vaso de flores (1984) e Casal de garças (1989) descoravam sua biblioteca. Há, também, alguns poemas em quadro ilustrados por sua filha Ceci, como “Expectativa” (9: p. 42) e por outros artistas.
Com o final do “regime militar” (1985), creio eu, poderíamos iniciar o 7º Período da vida cultural em Goiás. "