segunda-feira, agosto 07, 2017

Agosto das Letras





No período de 17 a 20 de agosto, o Governo da Paraíba, através da Fundação Espaço Cultural da Paraíba, realiza mais uma edição do projeto ‘Agosto das Letras: Festival de Leitura da Paraíba’, no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa. São oficinas, palestras, feiras, lançamentos de livros, mesas-redondas, contação de histórias para crianças entre outras atividades de interação com público, escritores e editoras, voltadas aos variados segmentos da área. Integrado ao evento acontece o Quadrinhos Intuados - 3º Encontro Regional Sobre Histórias em Quadrinhos, de 18 a 20 de agosto. No dia 20, às 15h30, o poeta Salomão Sousa participará do painel “A poesia paraibana entre a formação docente e a cenário brasileiro”, com Expedito Ferraz Jr. e mediação de Danilo Peixoto.

quarta-feira, julho 19, 2017

Sérgio de Castro Pinto

Este texto deveria estar em outro blog, pois Sérgio de Castro Pinto não é goiano, mas permanecerá aqui, pois já foi visitado dezenas de vezes.

Ter nascido no mesmo ano de publicação do livro Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, me deixa sempre comovido. Só viria a conhecer essa poesia de construção inquebrável muitos anos depois, e não poderia praticá-la, pois seria percorrer estrada já trilhada. E depois me comove encontrar a obra daqueles que produziram poesia nos mesmos anos por mim vividos. Adriano Espíndola é um deles, que, como eu, nasceu em 1952. E também me comove e enriquece a poesia de Sérgio de Castro Brito, que só recentemente passei a avaliar com mais justiça e extensão, e para nos tornarmos transparentes e presentes um ao outro. Esse parágrafo pode estar fora do contexto. Mas quem define o que entra e sai de um texto é o autor e o autor aqui deseja fazer emergir e criar familiaridades.

Surpreendente ler a produção poética de Sérgio de Castro Pinto e encontrar o clima tenso do momento histórico que vivíamos e abordávamos na poesia em regiões distintas. Prova de que a ditadura angustiava todos os escritores do país. O medo subjacente, o vazio de estar se sentindo inútil numa repartição, numa sala de aula, pois viemos de uma geração participativa.

Na Paraíba, a poesia está em festa neste ano de 2017 para comemoração dos cinquenta anos da poesia de Sérgio de Castro Pinto. A Fundação Espaço Cultural da Paraíba, com a terceira edição do evento Agosto das Letras, no período de 17 a 20 de agosto, vai homenagear o poeta. Serão quatro dias de debates, oficinas, feira de livros e lançamentos.

A poesia de Sérgio de Castro Pinto que, desde o primeiro livro Gestos lúcidos (1967), nas definidoras palavras de Geraldo Carvalho, prima pela “contenção da linguagem, o jogo verbal reduzido ao mínimo e expressando o máximo”. Acaba de ser editado um volume com a fortuna crítica de sua poesia, com uma centena de artigos e resenhas. Destaco os textos de Ivo Barroso, Gilberto Mendonça Teles e Anderson Braga Horta.

Em resenha incluída no livro, Fernando Mendes Vianna também aponta a :

“poética exemplar em matéria de poder de condensamento, em que o duplo gume de uma síntese analítica não mutila o poder verbal, mas reforma uma sadia víscera poética, salientando inclusive o sentido social de uma cirurgia crítica brilhante”.

Esse condensamento ganhou forma ao longo da carreira poética exitosa de Sérgio de Castro Pinto, que contribuiu para descentralizar para o Nordeste as experiências inovadoras de quebra da tradição com as novas possibilidades das vanguardas. Poética essa aliada à sua viva atuação na ambiência crítica da Paraíba.

Faço essas anotações livres para expressar o impacto que sinto no convívio com a poesia de Sérgio de Castro Pinto. Texto bem livre, talvez até com alguma inexatidão, mas com legítima sinceridade. Texto livre numa tarde de descanso, mas com o desconforto de saber que outros poetas se ofuscam em diversas paragens com os desentendimentos do homem no mundo. A diversidade com que é produzida a poesia brasileira e a extensão do território muitas vezes nos tornam opacos ou ausentes uns aos outros.

No livro A ilha na ostra, de 1970, que guarda intensa relação com o universo contemporâneo, se encontra o poema “Duas borrachas”, que leio sempre como um símbolo de composição de poema que nasce para representar uma geração e para validar o ato de produção poética. No gesto criativo de Sérgio Castro Lima, a borracha não é algo estanque, que simplesmente anula. A borracha é abordada como se fosse a própria ação do homem do período do regime militar. Há um versoque lembra outras "borrachas que solidárias" desejam limpar outras borrachas, que certamente não continham sol, pois preocupadas em criar escurecimentos com seus erros:

DUAS ODES À BORRACHA

 a flávio tavares e marcos dos anjos

 I

 a borracha

e sua arquitetura calma

de nuvem, de queijo

ou mesmo de sapo

que flexível ingere

as palavras-inseto

ou riscos incertos

de sobre o papel.

 

assim como um olho

totalmente fechado

que come os objetos

para dentro guardá-los,

a borracha alimenta-se

do medo e do inexato.

 

o seu interno

de construções erradas

precisaria

de outras borrachas.

 

borrachas que solidárias

o interno desta borracha

tornasse limpo e exato

e para isto apagassem

o que nela há de errado.

 

borrachas que solidárias,

caridosas e beatas

levassem o sol para dentro

desta outra borracha

e dela devorassem

sua construção errada.

 II

 esta borracha

guarda no seu bojo

os riscos da infância

em desequilíbrio.

 

esta borracha guarda

minha infância rabiscada:

calungas, casas, coqueiros,

toda infância apagada.

 

dentro desta borracha

a paisagem certa

de um verão

que o adulto repudiou.

 

esta borracha

foi nuvem que devorou

a água dos mares, os sóis

e os barcos da infância.

 

dentro desta borracha

há um outro verão

de sóis quadrados

e mares a(mar)elos.

 

desejos de externar

os destroços que ela guarda

mas quanto maior o desejo

mais a borracha me apaga

e o que escrevo agora

já é dela, se apagado,

e a borracha devora

um pouco do meu passado.

 

a borracha

é uma máquina fotográfica

de calungas, números, medos,

palavras e traços inexatos

e eles nela imergem

mas não serão revelados.

 

tenho ímpetos

de parti-la ao meio

e ver o seu intestino:

mares, barcos, sóis,

o verão e o menino.

 

Fico esperando que um poema como esse, escrito no mesmo ímpeto drummondiano de uma “Máquina do mundo”, tenha luminescência no conhecimento da nacionalidade. Com um poema desses podemos reconhecer que somos seres que desejam estar instaurados fora do caos. Um poema desses vem reafirmar que muitos excessos da realidade continuam a merecer a ação da borracha para inscrição de novos destinos na escritura da história.

Eu, Sérgio de Castro Pinto, Alberto da Cunha Melo, Adriano Espíndola, Brasigóis Felício, Gabriel Nascente e tantos outros, vindos de um mundo falido, de poética em busca de si mesma, tínhamos de organizar outro formato de produção poética e de questionamento da realidade. Talvez esse período se torne mais compreensível com a ação de uma historiografia que consiga encaixá-la no contexto da nacionalidade. Nosso mundo caótico, repressivo, ainda não foi analisado e compreendido para melhor inclusão da poesia no contexto daquela realidade. Vão surgindo outras gerações e parece que esta que resistiu não pode ocupar algum momento de clareza, devendo permanecer ali no limbo intocável de todos os erros do período. E a poesia dos anos de chumbo era guerreira, viva, sanguínea. Poesia que catalisou medo e fracasso. Uma poesia vitoriosa, resistente, mesmo com temas sutis e composição disfarçada nas mutações dos desmembramentos vanguardistas, dela emerge o homem angustiado e perseguido. É uma honra ter produzido nesse período e poder estar buscando outros formatos de ajuste da poética em outros tempos, também sombrios, pois sem metas e, pior ainda, sem compromissos sociais.

Rendo, daqui de Brasília, com estas palavras ao estilo de notas de rede social a minha homenagem aos setenta anos de vida e cinquenta de poesia de Sérgio de Castro Pinto, que, em João Pessoa, permanece ativo na poesia. Busca e anima formatos. É importante a atividade de poetas que motivam a juventude para a arte. E Sérgio de Castro Pinto motiva, assim como Jamesson Buarque incentiva a juventude à exaustão na fronteira de Goiânia.

Voltarei a João Pessoa só para me encontrar com Sérgio de Castro Pinto e nos sentarmos diante de uma paisagem. 

 

 


terça-feira, junho 27, 2017

Introdução a questões históricas da poesia em Goiás

 Heleno Godoy, Salomão Sousa, Antonio Miranda e Rogério Canedo
 Salomão Sousa, Goiandira, Gilberto Mendonça Teles e Antonio Miranda




 Por Salomão Sousa

O Projeto de Extensão "I Colóquio de Poesia Goiana", vinculado aos Projetos de Pesquisa "Configuração do lirismo na poesia goiana contemporânea" e "Apresentação da poesia goiana: de 1948 aos dias atuais”, que aconteceu nos dias 12 e 13 de junho de 2017 na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, certamente contribuirá para maior validação crítica da poesia goiana.
Digo, inicialmente, que, ainda que eu falasse de mim, eu ainda estaria falando da poesia goiana, pois, apesar de eu ter construído a maior parte de minha vida em Brasília, sempre procurei manter convívio com a poesia goiana, com ela dialogando, ainda que com o íntimo e amoroso conflito que é peculiar aos seus escritores, sem me distanciar da cultura que me moldou na infância e na adolescência.
Há uns vinte anos – ao comparecer a um sebo de uma cidade satélite de Brasília –, ouvi do livreiro que “Goiás não tem escritores, mas vomitadores de palavras”. A declaração não só transmitia uma visão deturpada da literatura de uma fronteira nova como afetou profundamente a minha postura de poeta com todos os direitos civis de indivíduo goiano e deles mantendo memória orgulhosa. Foi como se eu tivesse ficado marcado como uma rês pelas duas letras que meu pai, em seu analfabetismo, se orgulhava de manter dependuradas na parede. O corpo de um J servindo para acavalar a primeira perna de um M na peça de ferro que servia para marcar as suas poucas peças de gado.
Assumi que teria de modificar meu formato de relacionamento crítico com a produção literária de Goiás, que teria de atuar para atenuar e reverter essa visão, mesmo sabendo que só a minha geração não será suficiente para limpar esse embotamento que se construiu desde os tempos dos governos provinciais, que trabalhavam para que as fronteiras novas não evoluíssem. O meu trabalho não seria só produzindo poesia, mas estudando as questões que contribuem para que se tenha no exterior uma visão embaçada da literatura goiana.
            Além de criação de um blog para abrigar matérias sobre autores goianos, auxiliar o poeta Antônio Miranda na manutenção da página dos poetas de Goiás em seu site e de incluir na Wikipedia o perfil de grande parte dos poetas goianos, procurei identificar questões que não são devidamente levadas em consideração no momento de avaliação da literatura goiana, e aí, sobretudo a poesia, que é a vertente a que estou debruçado:
1)        Goiás é uma fronteira econômica nova, pois antes do Século XX a região era só um veio factível à exploração;
2)       O ensino só foi introduzido, sistematicamente, no Século XX (o censo de 1920 registra que 98% da população não estava alfabetizada; escola Régia no Estado de Goiás é de 1787, na cidade de Meia Ponte (Pirenópolis), e 1788 em Santa Luzia (Luziânia). Em 1827, eram escolas régias na capital e quatro nos arraiais. A criação de escolas para meninas aconteceu somente em 1831. A inauguração do Liceu de Goiás em 23 de fevereiro de 1847 representa a institucionalização do ensino secundário em Goiás, que funcionou até 1937, quando foi transferido para Goiânia. Em 1882 (1984) – para suprir falta de professores, foi criada num anexo do Liceu, a escola para formação de professores, mas que foi extinto dois anos depois por falta de alunos, pois era baixa a remuneração dos professores. Não sigo em frente com este histórico, pois foge muito do escopo da mesa redonda do colóquio, só ressaltando que o ensino superior só seria introduzido no Estado com a inauguração de Goiânia e que a descentralização do ensino superior só ocorreria próximo do Século XXI. É bom conclui este tópico com um aforismo banal, mas certeiro: Não existe produção e consumo de literatura sem educação.
1)        a urbanização, fator imprescindível para a modernidade da poesia, só se introduziu no Estado com a construção de Goiânia (1942) e Brasília (1960).
2)       Max Bense: no Brasil, com o colonizador ocupado com o enfrentamento bruto da natureza, não sobrava energia ao colonizador para gasto de energia com a cultura, e, aí, com a formação pessoal e dos filhos.
Quase todo compêndio sobre o desenvolvi­mento do Brasil Central não economiza enumerações das causas do retardamento da maturidade cultural da região, sempre peculiares ao período de formação de qualquer povo com as mesmas características: o atra­so econômico, a desorganização social, a distância dos grandes centros urbanos, a ausência de vantajoso in­tercâmbio cultural com as metrópoles de avançada es­trutura de meios de veiculação da crítica e da formação cultural, a carência de investimentos públicos no setor e o tardio surgimento de centros de ensino.
E para que essas questões sejam compreendidas e enfrentadas, reconheço que questões estruturais exigem enfrentamento em várias frentes (governo, imprensa, rede de ensino, a família e os próprios escritores).
1.      investimento no ensino para formação cultural, com inserção do espírito de liberdade e de criação, e não só de produção de economia;
2.     convívio com as expressões culturais, com a internalização da cultura dentro dos lares, com disciplina individual para acolhida da cultura e comportamento que justifique no indivíduo a ação organizada para exercício da cidadania. Não é à toa que a casa goiana é pródiga em dependências destinadas à alimentação, tais como cômodo específico para tulha, despensa e cozinha, e fa­lha em reservar ambiente da moradia para a reflexão.
3.     imperioso que a imprensa e segmentos da própria cultura atuem de forma a incentivar a acolhida da produção plural (Kundera fez esse questionamento para a cultura de seu país).
4.     melhor investimento bem econômico/bem cultural. O enriquecimento econômico em si mesmo não libera a ética de um povo, Muito pelo contrário, o enriquecimento gera pobreza e corrupção. O bem cultural gera o equilíbrio da sociedade. Comprova esta assertiva a presença dos filhos dos magnatas da soja instalados em seus carros, nas praças das pequenas cidades goianas, atochados de alcoolismo e ainda sem nenhuma prática de cidadania ao perturbar a população com violento som automotivo.
Postas estas preliminares, apresento um resumo bem livre da poesia goiana de meu tempo, que foi se construindo com o esforço intuitivo de cada poeta. Mas, na apresentação de seu livro A República, Platão nos anima dizendo que só a intuição constrói a estética. Assim, só depois de 1942, com o advento da urbanização, começaram a florescer em Goiás gerações de poetas com ideário mais delineado: o segundo modernismo de engajamento com a vida e a natureza, o GEN e o grupo Os XV, além das razões de surgimento de grupos que praticaram uma poesia de resistência e de um simbolismo gótico.
Quanto à divisão dos períodos históricos da poesia goiana, serão mencionados aqui algumas ca­racterísticas mais recentes, pois Gilberto Mendonça Teles, em A poesia em Goiás, de 1964, pela Universida­de Federal de Goiás, e Assis Brasil, em A poesia goiana no século XX, de 1997, pela Imago Editora, apontam as principais correntes e divisões históricas até o perío­do de publicação de seus estudos. Colheita (A voz dos inéditos), de 1979, pela Inigraf, e Goiás, meio século de poesia, 1997, pela Kelps, ambos de Gabriel Nascente, contribuem menos, pois, com a ambição de preencher lacuna — no período não circulava nenhuma antologia da poesia goiana —, são menos ambiciosas na seleta dos autores e na caracterização do desenvolvimento da poesia goiana. O autor, na apresentação de uma delas, confessa que “poetas maiores, menores ou não, aqui se juntam (…)”. Nesta antologia o organizador prefe­re acreditar que todos se enfeixam numa organicidade capaz de apresentar com crédito, maturidade e inventi­vidade para estabelecer maior permanência da poesia de Goiás dentro da nacionalidade. E — como Gabriel Nascente em Goiás, meio século de poesia — acredita que o melhor corte da maturidade da poesia goiana se dá a partir da década 1940, pois a construção de Goiânia, em 1942, aproximou do meio rural a urbanidade de frutífe­ra miscigenação cultural.
Em Goiás, só em dois momentos, os poetas se organizaram com ideário próprio em torno de pro­postas poéticas. O primeiro momento se deu em 1956, quando foi criado o grupo Os XV, de alinhamento com Geração de 45. No entanto, muitos de seus integrantes — mesmo Jesus Barros Boquady e Gilberto Mendonça Telles, que eram líderes do movimento — acabariam retornando, em algum momento, à versão da poesia mais livre. A fidelidade à estética estabelecida pelo gru­po seria mantida de forma mais permanente apenas por Afonso Félix de Sousa. O segundo momento ocor­reu a partir de 1963. Do contraditório Grupo de Escri­tores Novos (GEN), que teve atuação mais formalizada até 1967, pode-se dizer que teve a função de conscien­tizar o poeta goiano para a forma de atuar aparelha­da das descobertas estilísticas em vigor no seu tem­po, ampliando o espectro de experiências de produção poética. Valeram-se dos jornais para divulgar trabalhos e fazer laboratório crítico. O grupo avançou até as van­guardas da época, tais como a Poesia Praxis, que ainda conta com Heleno Godoy e Luis Araújo Pereira em viva produtividade. Do grupo, ainda são expoentes Yêda Schmaltz, que tem produção diversificada, fazendo na região as primeiras interligações da poesia e da pin­tura com a linguagem da informática; e Miguel Jorge, que contribuiu de forma vivaz com o grupo e com as demais vertentes ao dirigir suplemento literário no jornal O Popular, contribuindo de forma a ampliar a visibilidade da literatura goiana no mercado editorial e na aceitação crítica fora de Goiás. Os remanescentes dos grupos Os XV e GEN continuaram dentro de suas dogmáticas, menos filia­dos à exposição da região, cada um se ajustando à lin­guagem que lhe convém, sempre margeando a reflexão política.
É importante ressaltar que alguns caminhos da poesia goiana, a partir do GEN, não vêm merecen­do melhor caracterização pelos historiadores, críticos e meio acadêmico. Sempre que se vai produzir novo estudo a orientação da pesquisa para a avaliação dos poetas e da sucessão dos períodos históricos esbarra nos limites estabelecidos pelo livro A poesia em Goiás. No entanto, publicado em 1964, os efeitos da mudança da capital do País e as consequências da ditadura, bem como o desenvolvimento das obras dos autores que co­meçavam a produzir naquele momento não puderam ser avaliados por Gilberto Mendonça Teles. Assim, os novos estudos esquecem que a ditadura acertou de cheio Goiânia, que, em razão da proximidade com a capital Federal, serviu para centro de prisões políticas, inclusive com cessão de dependências de instituições públicas para tortura e assassinato de presos políticos. Hoje, essas dependências são destinadas à produção e à exposição cultural. Por essa proximidade, tanto física, quanto de ação dentro da história, a ditadura acertou de cheio a literatura goiana, com sequelas visíveis até os dias atuais.
A partir daí duas vertentes foram se conso­lidando dentro da poesia goiana, sem que tenham nascido com a preocupação direta de resistência ao regime de exceção. A primeira vertente está preocupa­da com o “abismo”, a “noite”, o “escuro”, o “exílio” e o “silêncio”, que denotam o conhecimento da vigilância da opressão que ronda o espaço físico do poeta e, ain­da, demonstra a clandestinidade que o cidadão devia guardar silenciosamente; e, a outra vertente, que atua quase em paralelo, prefere esposar reação de estra­nhamento, sem denotar resistência direta ao período de “escuridão” política, mas de desconforto às “trevas” da própria existência. Estas duas correntes passaram a rejeitar — até os tempos atuais — os poetas do GEN. Essa rejeição, até agora, não foi analisada para apurar se o antagonismo se dá pela divergência que cada uma adotou diante da estranheza política da época ou pela condução diversa do formato da linguagem poética de cada corrente.
Não foi de engajamento direto contra a dita­dura ou outra segmentação política a produção do pri­meiro grupo. Vindo em descendência direta do moder­nismo de José Décio Filho e José Godoy Garcia, o grupo — que não teve organização formal ou formulação de ideário como tinha ocorrido com Os XV e o GEN — im­pregnaram suas obras de fluorescência humana, sem­pre com toque de desencantamento. É grupo que tem de ser lido com a acesa lembrança das contradições po­líticas do período, e sem a esperança de encontrar nele qualquer lirismo redentor. No segundo livro de Brasigó­is Felício, a voz do poeta conclama:

Não perdoa, Pai,
que eles sabem o que fazem
e como sabem fazer!

Ainda em 1987, Gabriel Nascente remete para o futuro as consequências desse tempo perdido, gera­ção que foi deslocada de suas possibilidades, proibida de ter conhecimento e consciência:

O tempo é um comboio invisível
que nos arrasta para o entardecer da vida.
A força da consciência se dilui — é o tempo.
O ontem tão cheio dos porquês: e agora, pesado,
cada vez mais certo nas ondas do futuro.

Aidenor Aires, em 1973, em versos cálidos, também se mostra poeta dos tempos sombrios que re­caem sobre Goiás e sobre a nacionalidade:

Uma ave branca ficará
chorando nos escombros

A segunda corrente adotou um simbolismo gó­tico para expressão do estranhamento de viver o espí­rito dos tempos sombrios da ditadura. Os estudos para instrumentação desta linguagem levaram algumas vo­zes do período a confundir onde fica(va) o limiar entre a vida e a obra. Valdivino Braz, Edival Lourenço e Delermando Vieira são os ápices desse segmento, que acabou tendo reflexos em poetas que seguiam por outras vias da poesia goia­na, tais como Pio Vargas e Tagore Biram. Em 2004, no poema “Evasão” — que pode ser o termo a ser escolhi­do para designar o sentimento que ficou do período — bem memorialístico do poeta gótico-pós-vaguardista, com desdobramentos internos, Edival Lourenço, após questionar ”o projeto (que) não se fez obra” e ”os pensamentos sob censura”, faz prédica da poética do futuro, pois foram assumindo líricas bem pessoais, insertas numa violência visionária, de busca de novas identidades para a linguagem e também para o homem exilado dentro do desconforto de existir no espaço e no tempo:


Só quero um dia obter a senha
Ter nas mãos a abracadabra
A aba que abrace a dobra
Ou a obra que abra as abas
E tirar de lá meu rascunho
Que jamais logrou escolha
Meus sonhos imanifestos
Meu destino sem outorga
Nem código de barra impresso
E aí noutro tempo e lugar
Me reconstruir em novas bases
Com aquela perdida face
Que lá também deve estar.

Por isso, a poesia goiana desse período deve ser lida e analisada com conhecimento da estranheza his­tórica vivida em Goiás com muito maior intensidade do que nas demais regiões do País. Era a ditadura, a guerrilha do Araguaia, o AI-1, o AI-2, o AI-3, o AI-4, o AI-5, o pau de arara. Um poema como esse de Edival Lourenço, para aquele que desconhecer o furor políti­co-social da época, não vai entrar no clima, talvez só vá julgar que o texto é expressão de uma lírica de desilu­são.
É claro que, num convívio com estas duas cor­rentes, surgiam poetas mais que transpareciam as estranhezas góticas e as e reflexos de outras corren­tes em andamento no País, com influências dos poetas de recorte da publicidade e da contenção leminskiana. No entanto, entre 1980 e 2000, foram raros os poetas que se acrescentaram às correntes da poesia goiana, sobressaindo Maria Abadia Silva e Marcos Caiado, e, separadamente, Pio Vargas e Tagore Biram — estes dois últimos se consumiram em alcoolismos estranhos, sem tempo para conclusão de suas obras.
Agora, é obrigação registrar que essas gerações tiveram de conviver com o desalento e o rancor de es­tar à margem do processo editorial e, em consequên­cia, do abandono da avaliação crítica. Ficavam, assim, obstruídos no caminho para o mercado editorial e sem a orientação para ajustes das poéticas pessoais, que só a crítica justa incita e estimula. Sob estas condições, tornava-se impossível a poesia produzir presença em territorialidades fora das fronteiras de Goiás, por mais que tenham sido criados concursos literários e bolsas de publicações sob os auspícios do Estado.
Com a ampliação da oferta de cursos de Le­tras, de Línguas, de Filosofia, e entrada de professo­res íntimos da literatura para suporte do ensino, foram sendo ampliadas as condições para surgimento de poetas capazes de absorver e expressar matizes e matrizes das vanguardas brasileiras. Depois de Pio Vargas, Edmar Guimarães e Wesley Godoi Peres entrarem com experimentos capazes de quebrar a for­ma de a tradição da poesia goiana lidar com a imagéti­ca da natureza, abolindo-a em nome da suspensão do real, emerge a geração voltada para a web, que desen­volve novas e desconstrói velhas linguagens, às vezes abolição do verso, às vezes a desconexão vocabular, ou a construção coletiva, ou o visual, ou a desconstrução frasal, ou o poema em prosa, o poema tuíte, ou o so­neto. Agrupados em comunidades virtuais, ensaiam novos formatos de lidar com a composição e com a circulação das obras. Alguns sequer publicaram livros físicos, pois acessíveis só em e-books, e, no entanto, já reconhecidos pela revista Poesia sempre, da Biblioteca Nacional.
            Há que se reconhecer a introdução de um poeta pernambucano, que vai se enraizando goiano, para insuflar adrenalina nos aspectos da poesia que se produz atualmente em Goiás. Jamesson Buarque tanto no meio acadêmico quanto no ombro a ombro com a juventude, e com a produção de uma poesia que certamente irá ser destaque na nacionalidade, insufla na camada mais jovem da poesia goiana o sentido da tradição e o esforço para que a palavra extrapole a capilaridade do real.  
Ainda é um mundo nebuloso, a web. Mas na névoa se esconde o inominável, o viajante, o poema perdido. Quando soube da escolha de poema de sua autoria para ilustrar este parágrafo, Marra Signorelli, com a jovem memória dos vinte anos, surpreendeu-se que o poema existisse que que fosse de sua autoria. Assim, Marra Signorelli, onde o muro da ditadura ainda está dentro, ou a impaciência do espaço incisivo da urbe, ou erro, ou a inconsciência, ou a eterna resistência da poesia:

Que aqui se faz a voz
Voz outra voz outrora atroz
Ou seria de dizer Vox
Nem Fox News ou CNN
Veloz
Como instinto de sílaba e sangue
De silêncio entremeando-me o si
De alguma peça ou de algum murmuro
Ou mesmo de algum carro que range
Porta ou fechadura corpo adentro.

O se.

Conforme previsto pelo artigo publicado em O Jornal do Rio de Janeiro, na edição de 11 de agosto de 1944, Goiás, com o Batismo de Goiânia, passou a ser o “centro de irradia­ção de novas bandeiras”. Goiás, portanto, não é só a bandeira que sina­liza e apressa a corrida para a construção de Brasília. Não é só a bandeira que abriu e apontou caminhos para a urbanização de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, trazendo novos movimentos para o eixo do desenvolvimento econômico e cultural. Passada a eu­foria da corrida para essas frentes, a irradiação merece ocorrer de dentro para fora com celeridade, não só com liberação de estoque econômico, mas de bens culturais construídos por vozes erigidas na região.
Tudo isso balizado, a poesia desse território virgem e espoliado de sua riqueza deve ser tomada como gesto nascente, de vigor natural. E tudo que é jovem — natu­ralmente vigoroso e autêntico — merece ser convocado para somar energia à nacionalidade.