segunda-feira, julho 16, 2018

Itamar Pires Ribeiro




Determinados livros existem e, às vezes, como na fábula árabe “Os dois que sonharam”, temos de circular anos a fio até nos encontrarmos com eles. Circulei mais de 13 anos antes de me encontrar com o livro Das Palavras, de Itamar Pires Ribeiro, editado em 2000 após receber o prêmio Bolsa de Publicações Cora Coralina 1999. Durante a leitura, depois de encontrá-lo, eu saí emocionado de muitas de suas passagens, dos ritornelos de seus versos, que se repetem e repetem palavras:

Não suponhas que as rochas te ouçam
esculpe a estátua, e continuará a ser rocha
acrescida de sonho e trabalho humano, rocha.

Se Edival Lourenço faz premonições sobre a velocidade que o homem moderno vai assumindo na modernidade, a poesia de Itamar Pires Ribeiro, neste livro, se dá com serenidade, quase um cântico, quase um salmo em cada poema. É um diálogo amoroso do autor com o leitor e consigo mesmo. Basta ler a confissão da própria metapoética que Itamar faz da própria trajetória poética, que está no poema “As palavras — XVI”: 

“Se duendes, fadas,
deuses e demônios,
velhos mitos arcanos
infestam teu poema
arranca-os, arranca-os à faca,
joga fora as velhas tolices e vê:
tuas palavras vêm de onde vem tua semente,(...)
tua classe e teu tempo (...)”.

O poeta alastra em si o abandono de uma linha gótica que imperava na poesia goiana para irrigar-se com palavras humanas, que tornam este mundo real, rocha e lírio.
Neste livro, saiu enriquecida a poesia de Itamar Pires Ribeiro ao renunciar à poesia gótica, que conhecemos no Livro de Heitor, de 1990. Depreendemos que Das Palavras foi construído com espontaneidade num momento de iluminação. Das iluminações que construíram as Elegias de Duíno e alguns cantos de Friedrich Hölderlin. As iluminações permitem fraquezas, vazios, até mesmo incongruências construtivas. De repente uma vírgula faltou num verso que irá se repetir mais adiante, com a vírgula.
E não é só um livro carregado de questionamentos espontâneos, mas de construções de ágeis arranjos. Não aparecem rimas explícitas, versos escandidos, mas presente um constante andamento sem obstruções. É o que é a poesia. Cheio de referências, pois todo bom poeta é bom leitor. Shakespeare, na reconstrução “Resta o silêncio”. Konstantinos Kaváfis, na citação dos bárbaros. Carlos Drummond, na reconstrução da pedra no meio do caminho com a repetição exaustiva do verso “as coisas são mais obstinadas”, num poema de bela plasticidade e conteúdo.
As palavras, na construção do poeta, progridem de uma inutilidade para intervir nas coisas, com as rochas e lírios fluindo independente do homem e das palavras, para desaguar na necessária utilidade do cântico, onde as palavras, já organizadas, interferem no mundo. “Por teu cântico tudo se move”. Intervenção num crescendo:
Todas as falas humanas,
todas elas entrelaçadas
um sutil instrumento que nos anuncia.

Livro de rara sabedoria  acredito que divisor de águas na poesia goiana no universo pós-gótico, pós-Pio Vargas , pois recarregado com a eterna sutileza da lírica, Das Palavras merece palco maior com reedição esmerada, com gala.  A reedição veio em 2015, acompanhado dos demais livros de Itamar Pires Ribeiro. Desde o primeiro livro Livro de Heitor, de 1990 , que a poesia de Itamar Pires Ribeiro se mostra num raro mosaico de polifonia, que às vezes no ilude  com a localização dos elementos da oração.  São muitas as vozes dentro de um mesmo poema e sempre vai se insurgir um verso de rara metafísica, que deixa “a gente comovido como o diabo”.  O poema que abre a reunião de seus livros, abre com essa pérola:
Sírius, Centauro, Eros, Beatriz:
nomes, nomes com que batizaria
moluscos, poços de água escura,
coisas úteis que tenho à mão.

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