sexta-feira, setembro 10, 2010

Posse de Alaor Barbosa no IHGDF

DISCURSO DE POSSE DE ALAOR BARBOSA COMO MEMBRO EFETIVO (CADEIRA 68) DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO DISTRITO FEDERAL, PROFERIDO NA NOITE DE QUARTA-FEIRA, 1º (PRIMEIRO) DE SETEMBRO DE 2010.



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Ao atravessar os umbrais desta casa histórica para me incorporar ao valoroso número dos homens e mulheres que a integram, sinto muita emoção, muita alegria, muita satisfação íntima, muito entusiasmo e muita gratidão. Desde logo, manifesto minha gratidão àqueles que, elegendo o meu nome, me trouxeram ao seu honroso, instrutivo e educativo convívio. Dentre eles, saliento a pessoa de José Luiz de Moura Pereira, esse dedicado trabalhador do Espírito: heraldista competente e produtivo – autor, dentre outras, das bandeiras do Estado do Tocantins e da Associação Nacional de Escritores, jornalista emérito, condição em que escreveu e há catorze anos publicou a importante obra Hipólito da Costa – o Patriarca da Imprensa Brasileira , professor de Desenho, ocupante, neste sodalício, da cadeira que tem como patrono a riquíssima personalidade emblemática de Irineu Evangelista de Souza, Barão de Mauá. Foi José Luiz de Moura Pereira, novo amigo antigo que me orgulho de ter granjeado nesta cidade tão dadivosa, quem indicou meu nome para ser convocado a entrar nela e sentar-me em uma das suas cativas e cativadoras cadeiras. Devo mencionar também a figura deste operoso e valente jornalista goiano nascido em Minas Gerais, Jarbas Marques, com quem tenho algumas ligações histórico-biográficas advindas principalmente de amizades comuns, formadas na generosa terra goiana. Neste capítulo de agradecimentos necessários, mas feitos com imensa satisfação íntima, certamente não posso esquecer a forte personalidade do patrono perpétuo e há muito tempo vigoroso sustentáculo deste Instituto, o nunca assaz celebrado militar, historiador e memorialista Affonso Heliodoro dos Santos. Ele é um patrimônio moral desta Cidade, da sua terra, Minas Gerais, e da Nação brasileira.

Assinalo e registro que minha emoção de passar a habitar esta Casa na condição de seu legítimo morador é, e não pode deixar de sê-lo, fortemente aumentada pelo fato de ter ela por Patrono – histórico, moral, cultural e político – a personalidade tão digna e ilustre quanto se possa ser de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Juscelino – o mais criativo, o mais dedicado, o mais dinâmico, o dotado de mais lúcida visão geral e de futuro deste País, o melhor Presidente da República que temos tido, o corajoso autor do segundo começo – segunda fundação – da nacionalidade brasileira.

Ao me pôr a pensar no que dizer neste meu discurso de posse na Cadeira 68 deste glorioso Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, concluí muito rapidamente que eu teria de fazê-lo bastante sintético. Não havia nem há como fugir a esse critério e método, por ser muito vasto, numeroso e abrangente o material que me pede, nesta ocasião privilegiada e feliz, focalização e tratamento. Material suficiente, penso eu, para me conduzir a resvalar para um ensaio longo, com inevitável extensão de livro volumoso. Pois como deixar de falar, em ocasião assim tão adequada e imperiosa, em primeiro lugar da múltipla e profunda significação desta cidade de Brasília para o Brasil e o mundo, da sua história, da epopéia da sua construção, dos efeitos benéficos que tem produzido para a Nação e o País? Considero Brasília o marco inicial do encontro do Brasil consigo mesmo: a cidade deflagradora, a cidade criadora, a cidade mãe e síntese da definitiva e verdadeira nacionalidade brasileira. Brasília, diferente das demais cidades, não é filha casual dos interesses do comércio ou da indústria, mas do sonho e da poesia. Por esse aspecto, tão importante, faço minhas as verdades expressas em uma frase e em três versos do poeta Anderson Braga Horta, esse extraordinário poeta que, mercê de ter nascido e vivido em Minas, em Goiás e no Rio de Janeiro e finalmente no Planalto Central, alcançou o privilégio de poder compreender bem o significado essencial desta luminosa cidade de Brasília. A frase: “Em verdade, se poesia é criação – e, creio poder estendê-lo, autodescobrimento, comunicação entre os homens –, Brasília nasceu sob o signo da poesia” Os versos: “No altiplano de nossas esperanças,/ Rosa-dos-homens / Construímos-te futura”. Inevitável falar daqueles que a tornaram realidade, especialmente do fundador e construtor, Juscelino Kubitschek de Oliveira, e dos seus colaboradores diretos na obra portentosa que realizou como Presidente, dos quais um se fez enérgico, rigoroso, persistente e fiel sustentáculo deste Instituto, o seu presidente perpétuo Affonso Heliodoro dos Santos. Quanto a este grêmio, imperioso falar do seu forte significado para esta cidade, e desde logo assinalar que ele não congrega apenas estudiosos de História e Geografia, mas homens que têm feito, eles mesmos, a história de Brasília: além de testemunhas, protagonistas. Nesta categoria, a dos atores da História, é preciso mencionar o patrono da minha Cadeira, de número 68, o valoroso político e intelectual do meu Estado, Domingos Velasco. Um dos pioneiros do movimento socialista no Brasil. Por esse aspecto, um lutador solitário em Goiás e saliente entre poucos no plano federal. Nascido na Cidade de Goiás, Capital do Estado, em 8 de outubro de 1889, e falecido no Rio de Janeiro em 1973. Jornalista e político, foi senador e deputado e candidato, em 1935, em eleição indireta (pela Assembléia Constituinte) a governador de Goiás. Nos últimos anos de vida, foi magistrado, tendo ocupado o cargo de juiz (ministro) do Tribunal Superior do Trabalho. Escritor, produziu alguns livros sobre temas que dominava; em um desses livros, prestou valioso depoimento sobre a China Continental, que visitou na década de 1950, poucos anos depois da Revolução de 1949, conduzida por Mao Tse Tung. Sua fecunda carreira política ele a transferiu, nos últimos anos de vida, para o Estado do Rio de Janeiro, onde foi eleito deputado federal pelo Partido Socialista. Não obstou essa mudança a que ele adquirisse também uma pequena propriedade rural aqui no novo Distrito Federal. Uma descrição da trajetória vital do meu antecessor, Joanyr de Oliveira, com uma análise, ainda que breve, da sua obra de poeta e de escritor, não poderia ser feita, se analítica, de modo exíguo ou sucinto: o material a ser exposto e analisado é por demais abundante e valioso. Inevitável também uma referência à significação intelectual e à obra literária do poeta incumbido de me receber, Anderson Braga Horta: para falar dele é preciso tempo e um condigno número de palavras. Trata-se, sem dúvida, de um dos mais representativos criadores de poesia do nosso país.

Feita esta advertência sobre a necessidade imperativa de ser antes sintético do que analítico ou descritivo, falo, em primeiro lugar, de Brasília. Muito já se falou, mas nunca se terá falado bastante de Brasília. Duas das antologias poéticas feitas pelo meu antecessor nesta cadeira, o poeta Joanyr de Oliveira, intituladas Brasília na poesia brasileira e Poemas para Brasília, revelam que Brasília é provavelmente, dentre todas as cidades do Brasil, a mais presente e cantada na poesia brasileira.

Quanto a mim, particularmente, é profunda e forte a emoção de falar de Brasília, pois profunda e complexa e rica é minha relação histórica e vivencial com ela. Posso sinteticamente expressá-la declarando que poucos prazeres desfruto na vida tão intensos quanto o de ver, contemplar e sentir Brasília andando através dessas criações geniais de Lúcio Costa que são as suas bucólicas superquadras residenciais ou percorrendo os seus retilíneos eixos e praças dotados de indescritível beleza plástica, que faz bem aos olhos e à alma. Brasília é um alumbramento e um deslumbre quotidianos, que se renovam e se repetem, para mim, a cada nova manhã, debaixo da abóbada do amplíssimo céu quase sempre desdobrado em límpido azul. Aqui o fugitivo horizonte é longe e perto e belíssimo, principalmente na hora do amanhecer e na hora em que o Sol descamba tantas vezes aumentado em vermelhíssima formosura. Para dizer muito, senão tudo, digo que Brasília é, de todas as cidades onde já morei, aquela onde jamais senti solidão. Ela me revolve sentimentos muito profundos, alojados nos longes das minhas origens e nos recônditos da minha evolução e desenvolvimento. Sou goiano. Dizer isto já é dizer muito, embora não, com certeza, dizer tudo a respeito da sensibilidade com que me relaciono com esta cidade, vá lá um adjetivo que, por banalizado, não me apraz muito empregar, mas que é forte e significativo: com esta cidade mágica.

Um pouco da minha relação histórica com Brasília eu preciso contar. Vou ser breve. Quando eu tinha oito anos de idade, estudando no Grupo Escolar Coronel Pedro Nunes, em minha cidade natal, Morrinhos, na região Sul de Goiás, todos os dias de manhã, na sala de aula, eu via um mapa do Estado de Goiás afixado à parede, ao lado do quadro-negro. Frequentemente eu me postava diante do mapa, e lia nele. Desde a primeira vez eu notei um pequeno retângulo demarcado um pouco acima do nome Goiânia escrito assim: FUTURO DISTRITO FEDERAL. Não sei quem me explicou que aquilo significava a mudança da Capital Federal para Goiás – mudança ideada e programada para acontecer um dia. Eu me perguntava intimamente, com alguma ansiedade, quando seria que isso ia acontecer: a vinda da Capital Federal para Goiás. Mais do que aspiração, essa idéia virou um sonho, lá uma vez ou outra lembrado.

Mais tarde, me habituei a ler, mais ou menos dos nove anos em diante, jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, que chegavam com abundância e regularidade, embora com atraso de quase uma semana, na venda do meu pai. Dado que constituíam material de embrulho, os mais volumosos, mormente aos domingos, eram os mais valorizados: o Correio da Manhã e O Estado de São Paulo. O Correio da Manhã editava um caderno especial – uma revista – com o nome Ingra. Nela colaborava uma jornalista goiana, Daisy Porto, natural de Goiás Velha, moradora no Rio havia muito tempo (anos mais tarde, tendo ido para o Rio, me tornei amigo dela). Daisy Porto mantinha nessa revista Ingra uma página de propaganda da idéia da mudança da Capital para Goiás. Um dia, acho que no ano de 1952, apareceu na Ingra uma reportagem sobre como seria o traçado da futura Capital Federal, se não me engano já batizada, nessa reportagem, de Brasília. A figura reproduzida lembrava bem, com a superposição de vias em um viaduto, a real Brasília surgida e construída anos depois. Fiquei alvoroçado ao ver aquilo. Então já se previa como viria a ser a nova Capital do Brasil? Não sei explicar o mistério dessa antecipação do projeto – do Plano Piloto – de Brasília quatro anos antes do concurso vencido por Lúcio Costa.

Fui estudar em Goiânia aos 14 anos de idade: em fevereiro de 1955. Logo me relacionei com uma rádio muito possante e popular em Goiânia – a Rádio Brasil Central, cujo lema era: FUNDAÇÃO COIMBRA BUENO PELA NOVA CAPITAL DO BRASIL. Conheci então que havia um movimento, uma luta permanente em Goiânia em favor da idéia de se trazer para Goiás a Capital do Brasil. Por causa desse movimento e luta, que envolvia numerosas parcelas do povo goiano, pode-se dizer, e isso eu compreendi depressa, que o povo goiano tinha uma causa comum pela qual lutava. Essa causa – esse ideal coletivo – o singularizava no concerto dos vários povos, chamemos assim os estados, brasileiros.

Em maio daquele ano, estava eu, de tardezinha, na Avenida Goiás, perto da Praça do Bandeirante, bem no centro daquela pequena capital de sessenta mil habitantes que exercia em mim um fascínio semelhante ao que hoje exerce Brasília, quando alguém me disse: “Vamos lá no Palácio, que o Juca Ludovico vai assinar um decreto desapropriando as terras onde vai ser construída a nova Capital”. Fui. E assisti, então, a este fato histórico: o Marechal José Pessoa, presidente da Comissão de Localização e Demarcação da Nova Capital Federal, pediu ao Governador de Goiás que desapropriasse as terras para a construção da nova Capital; o Governador assentiu imediatamente e assinou, naquele mesmo momento, não me lembro se a mensagem à Assembléia Legislativa de Goiás com o pedido de declaração da utilidade pública do quadrilátero de terras destinado à nova Capital para o efeito de ulterior desapropriação ou já o decreto de desapropriação autorizado previamente pela Assembléia Legislativa, consultada, nesta hipótese, horas antes.

No fim do ano, trabalhei, juntamente com meu irmão Eurico, na Rádio Brasil Central como redator do programa de notícias “O mundo em sua casa”, sustentado, na maior parte, por um jornalista carioca residente em Goiânia, Hely Mesquita, homem da confiança do Senador (e ex-governador do Estado de Goiás) Coimbra Bueno, proprietário e mantenedor da rádio. Essa emissora foi, sete anos depois, adquirida pelo governo estadual, na gestão de Mauro Borges Teixeira.

Um ano e meio depois, em outubro de 1956, já no Rio de Janeiro, saí eu um dia, de manhã, do apartamento em que morava, no bairro do Flamengo, na Rua Corrêa Dutra. Ao chegar diante da banca de jornais e revistas da esquina da Rua do Catete, percebi esta manchete do jornal Última Hora: JUSCELINO VAI MUDAR A CAPITAL. Alvoroçado e entusiasmado, comprei o jornal e li a notícia. Juscelino mandara ao Congresso Nacional a mensagem que propunha a criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, assinada na cidade goiana de Anápolis, onde o avião de Juscelino fizera um pouso alternativo, por impossibilidade de aterrissar em Goiânia. Vislumbrei e entrevi, imediatamente, tudo o que passara a estar para acontecer. E escrevi uma crônica sobre as transformações a que estava agora condenado o sertão de Goiás. Mandei a crônica ao meu irmão Eurico, que era jornalista em Goiânia. Eu não soube senão muitos anos depois que a crônica foi publicada no Jornal de Notícias, do deputado Alfredo Nasser, em que o Eurico colaborava com bastante freqüência. Infelizmente ainda não consegui o exemplar do jornal que publicou esse meu texto. Nele havia um trecho mais ou menos nestes termos: “Agora, teremos em Goiás não mais porteiras e mata-burros, mas estradas asfaltadas e muita vida circulante...” Fazendo um repetido contraste entre não mais isso e aquilo e sim isto e aquiloutro, se desdobrava minha crônica comovida e entusiástica.

A construção de Brasília eu a acompanhei do Rio, posso dizer que passo a passo. O primeiro número da Revista Goiana, que editamos, João Carneiro de Castro Vaz e eu, em 1958 na Associação Goiana (cuja sede era na Rua Evaristo da Veiga n. 16), da qual fui secretário, estampou na capa uma fotografia do Palácio da Alvorada – imagem que se firmava, rapidamente, como símbolo da nova Capital em acelerado processo de construção. Uma reportagem mostrava os avanços desse processo.

Infelizmente, durante a construção, cometi o erro de não vir a Brasília ver as coisas. Me deixei prender no Rio pelas mil solicitações da vida de estudante e, em seguida, de jornalista profissional Mas logo no início da minha carreira na imprensa fiz uma séria tentativa de vir morar em Brasília. Foi em janeiro ou fevereiro de 1960, perto, pois, da inauguração da nova Capital. Sucedeu que a direção do Jornal do Brasil, querendo prover de profissionais a sucursal que estava instalando na Nova Capital, solicitou aos seus repórteres que quisessem vir para cá manifestassem o seu propósito. Fui um dos primeiros e poucos que se candidataram. Mas não fui incluído entre os quatro escolhidos, que foram os repórteres André Marques, um ótimo repórter e perfeito caráter, natural de Santos, em São Paulo, e Edísio Gomes de Matos, generoso e solidário cearense que mais tarde faria da advocacia sua atividade principal, embora tenha continuado jornalista competentíssimo, ambos os dois meus bons amigos; o talentoso reescrevedor Raimundo de Brito, que era funcionário da Câmara dos Deputados; e um quarto, de cujo nome não me recordo. Assim somente vim a conhecer esta cidade em setembro de 1961, logo após a crise da renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República. Eu viera do Rio a fim de passar merecidas férias em minha cidade natal, Morrinhos, extenuado que estava por causa das trabalheiras suportadas durante aquela terrível e perigosíssima crise política que quase atirou o Brasil na tragédia de uma guerra civil, e passei por Brasília, vindo na estrada Rio-Belo Horizonte-Brasília. Fui hóspede, na Superquadra 208 Sul, do meu grande e já antigo amigo e ex-colega de quarto e apartamento no Rio, José Leão de Souza Filho, um dos mais talentosos jornalistas que temos tido no Brasil, goiano natural de Mineiros, no Sudoeste goiano. Aqui passei uma semana memorável. Meu fascínio por Brasília aumentou então muito.

Em 1964, tendo de sair do Rio por causa dos mortais perigos criados pelo Golpe Político-Militar do mês de abril, estive na iminência de morar em Brasília. Meu amigo José Leão, solidário e generoso, conseguira um emprego para mim na Agência Meridional, dos “Diários Associados”. Zé Leão era redator na sucursal brasiliense d’ O Jornal, o “órgão líder” dos Diários Associados. Mas Então, me deixei prender no Rio pelas mil solicitações da vida de jornalista profissional. meu irmão Eurico obtivera para mim o emprego de redator político da Folha de Goiaz, de Goiânia, também dos “Diários Associados” – o mais antigo jornal diário de Goiânia. Preferi Goiânia, por numerosas razões ponderosas.

Somente vim a me transferir para Brasília em 1984, no mês de agosto: precisamente no dia 22 de agosto: há vinte e seis anos e dez dias. Mas isso em virtude de concurso público de provas, que me proporcionou o cargo de Procurador Autárquico Federal. Mais ou menos sete meses depois, tornei-me, também em conseqüência de concurso público, de provas e títulos, Consultor Legislativo do Senado Federal, onde me aposentei em 1993. Devo assinalar que ao me animar a fazer esses dois concursos públicos já se sentia no Brasil o bafejo saudável da aceleração do processo de retomada do processo democrático. No Senado, tive o privilégio de colaborar, intensivamente, na elaboração da nova (e atual) Constituição Federal.

Agora, duas palavras sobre meu antecessor. Se existia alguém no mundo sobre quem eu não queria falar na circunstância em que o faço hoje e agora, esse alguém se chamava Joanyr de Oliveira. Foi uma surpresa para mim verificar que era Joanyr de Oliveira o ocupante da cadeira que me tocou a mim neste Instituto. É comovido e com muito pesar e tristeza que vou falar sobre ele. Senti profundamente sua morte, ocorrida há pouco tempo – em dezembro do ano passado. Na véspera de completar 76 anos de idade: nascido no dia 6 de dezembro, deixou-nos no dia 5 desse mês do ano passado, 2009. Minha amizade crescera muito nos anos subseqüentes à volta dele dos Estados Unidos, onde passara uma longa temporada na cidade de Boston. Integrei com ele a diretoria da Associação Nacional de Escritores. Pude conhecê-lo mais de perto e com mais freqüência. Nossa amizade, nascida em 1970 em Goiânia, se robusteceu na inalterável linha da lealdade mútua, do respeito recíproco, da admiração sincera. Conheci em Joanyr de Oliveira um homem de quem se podia e devia dizer que era um homem integralmente bom.

O seu talento de poeta e contista, principalmente de poeta, tem sido proclamado com abundância de depoimentos, análises e exegeses críticas. Joanyr começou a publicar livros em 1957, ainda, no Rio de Janeiro. Sua estréia foi o livro Minha lira. O último, Raízes do ser (Poemas para Aimorés), saiu há três anos. São dezessete livros de poesia. De contos, três. Em 1985 editou um romance. Seu trabalho de antologista produziu nada menos que sete volumes, cinco das quais dedicados à poesia feita por poetas ou de Brasília ou relacionados, de algum modo, com Brasília. Registre-se que a sua antologia Poetas de Brasília, editada por um editor vindo de Goiânia, Francisco Scartezini Filho, foi o primeiro livro editado na nova Capital Federal.

Costuma-se dizer que Carlos Drummond de Andrade foi “o poeta de Itabira”. Pode-se afirmar, analogamente, que Joanyr de Oliveira foi um poeta de Aimorés e um poeta de Brasília. Aimorés: a origem forte, com a marca psíquica e moral fortíssima do pai, um operário comunista. Poeta de Aimorés: poeta especificamente do rio Doce, do trem de ferro, da Pedra Lorena (que se pode associar ao Pico Cauê de Drummond), do rio Natividade, da família sofrida, particularmente o Tio Joaquim, morto assassinado. Mínima amostra, eis a estrofe final do poema ‘‘Nostalgia” (Aimorés): “Aimorés clara emerge / do menino os pertences / nesta soma arbitrária / que me busca e me vence”. Brasília é os novos céus, que não apagaram nem suplantaram as fundas lembranças e heranças de Aimorés, mas as enriqueceram com um acervo abundante e forte. A atração e presença de Brasília se manifesta não só por meio das antologias que ele fez da poesia relacionada com Brasília, mas em poemas inspirados ou motivados por Brasília ou a Brasília dedicados. Destes, dois são dedicados, um a Lúcio Costa e o outro a Oscar Niemeyer. O mais longo de todos intitula-se “Poema (s) para Brasília” e merece que dele se transcreva a estrofe última: “§ Amoldado à aridez da atmosfera, / eu canto esta comuna / em seu milagre, em seus murmúrios. / Por mais que a concha azul e luminosa / me complete em loucuras. / Por mais que a secura da aragem / em suas cordas me sangre. / Por mais que as vibrações / indecifráveis do azul / dardejem-me a garganta”.

Voltando outra vez a Drummond, lembro que ele aconselhou certa vez a quem queira fazer poesia: “Não recomponhas tua sepultada e merencória infância”. Era um ponto de programa, um princípio de criação estética, um limite. No entanto, Carlos Drummond de Andrade descumpriu o seu conselho. Em alguns livros, exerceu o memorialismo com muita força: nenhum poeta recompôs tanto a própria infância quanto Carlos Drummond de Andrade. Também Joanyr de Oliveira, que me parece influído por Drummond também por causa da vizinhança geográfica entre Itabira e Aimorés, dedicou-se a reconstituir, nostálgico e mesmo saudoso, a sua sofrida e rica infância em Aimorés. Isso se documenta bem fortemente no seu livro Raízes do ser, que bem podia chamar-se Minhas raízes em Aimorés, ou Minhas raízes aimoresianas ou, como registra um dicionário, aimorense.

Finalizando, devo agradecer, com todas as forças da minha sensibilidade e consciência, a todas as pessoas – parentes, amigos, colegas deste grêmio e de outras entidades, intelectuais e escritores, – que, exercendo a bondade de comparecer a esta solenidade simples, mas para mim inesquecível e eloqüente, me ajudaram a vivê-la em toda a plenitude da sua significação. Dirijo um agradecimento muito especialmente comovido ao poeta Anderson Braga Horta, que me recebeu e saudou com sua compreensiva palavra valorizadora. Com ele tenho, ademais de outras, de ordem intelectual e artística, duas afinidades grandes. Uma, a de ser ele mineiro, uma gente com quem me dou invariavelmente bem. Às vezes tenho dito mesmo que, filho e neto de numerosa estirpe mineira, eu bem merecia ser mineiro por jus solis, a mais de o ser por jus sanguinis. A outra, a de ser Anderson, conforme já assinalei, um homem de longa e profunda vivência em minha terra goiana, pois lá passou parte da infância e da adolescência. Depois do discurso hoje proferido por Anderson Braga Horta para me saudar na entrada desta pujante agremiação intelectual, não serei mais o mesmo homem perante o mundo e sobretudo no meu próprio íntimo sentimento de mim mesmo.

Muito obrigado.

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